quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Nascido para testar


* Por Marcelo Sguassábia


Não vou negar para vocês: eles pagam bem. Mas nem sempre foi assim. Quando começou essa história de testadores de produtos, a gente simplesmente recebia em casa uma amostra grátis do bagulho, experimentava e dava o parecer. Ficava uma coisa pela outra, o lançamento grátis em troca da avaliação. Depois fomos nos organizando, criamos nossa associação de classe e passamos a cobrar pelo serviço. Só que aí, além de guloseimas, absorventes higiênicos e lâminas de barbear, começaram a mandar coisas como banheirinhas para bebês gêmeos, rojões sem cheiro de pólvora, degoladores de galinha, aparadores de cílios, limpadores de nariz e outras esquisitices.

CAVIAR RUSSO NÃO VEM. O QUE VEM SÃO MULETAS DE FABRICANTES DE ARTIGOS ORTOPÉDICOS.
A primeira ilusão de quem entra para esse mundo nada maravilhoso é pensar que não vai ter que gastar mais nada no supermercado, tamanha a variedade de produtos que irá receber para degustação. Entretanto, as novidades realmente gostosas chegam para teste em quantidades mínimas. Outro dia mesmo recebi o maravilhoso chocolate Bis com sabor de cerejas ao licor, fechadinho em uma sovina embalagem individual. Ou seja, você recebe o Bis, mas sem chance de bisá-lo.

A parte mais chata é o relatório da sua experiência com a coisa. Não adianta querer tapear o fabricante para não ter muito trabalho, dizendo que tudo é ótimo. Eles vão perceber a falta de critério e o braço curto na avaliação. Na recente experiência que tive com um par de muletas, por exemplo, me pediram, além do relatório escrito, o envio de fotos dos dois sovacos após dez e após trinta minutos de uso intensivo, a uma velocidade média de 2 km por hora e alternando o pé de apoio. Em seguida tive que testar um outro protótipo ainda em desenvolvimento inicial, com um sofisticado sistema de amortecedores dispostos entre a muleta propriamente dita e as axilas.

CHOCOLATE COM 90% DE CACAU NÃO VEM. O QUE VEM É ARROZ DOCE PARBOLIZADO PARA MICROONDAS.
Nem em um campo de concentração teriam a coragem de servir uma gosma tão sem graça. Depois de entornar a geleca numa tigela, despeja-se o pozinho com sabor artificial de canela e açúcar, que vem dentro de um sachê parecido com aqueles de tempero de miojo. Liga-se o microondas na potência máxima e depois de três minutos está pronta a iguaria. A foto da embalagem, com aquela cara irresistível de sobremesa de vó, contrasta fortemente com a triste realidade de comida de astronauta com validade vencida.

SPORT UTILITY 4X4 NÃO VEM. O QUE VEM É VASSOURA COM CERDAS DE TUNGSTÊNIO.
A promessa da vassoura era varrer com eficácia jamais vista, obviamente pela dureza do tungstênio. No test-drive o produto mostrou-se realmente notável, tanto na eliminação da sujeira quanto na eliminação do próprio piso - a vassoura literalmente lixava o meu porcelanato. O justo no caso seria me enviarem alguns metros de piso cerâmico para testar junto com a vassoura, a fim de que o meu prejuízo fosse menor. Fica a dica para a próxima vez.

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).



Um comentário:

  1. Mais dura do que cerda de tungstênio é a vida dos provadores ou experimentadores, como queiram. As que são garantidas mesmo são as boas risadas. E olhem que meu senso de humor não é nada aguçado. Parabéns, Marcelo.

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