quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Mais vida para viver um grande amor


* Por Mara Narciso


Fui salva pelo pediatra Dr. José Estevam Barbosa. Num instante veio do seu consultório até minha casa com uma maleta. De lá tirou uma ampola de cálcio, injetando-o em minha veia e me devolvendo a vida. Uma infecção intestinal me adoeceu, desidratei-me e desenvolvi uma súbita hipocalcemia com tetania e morte iminente. Endureci toda, virei os olhos, e a minha mãe, enquanto esperava pelo médico, colocou uma vela acesa em minha mão. Eu tinha 10 anos. Salvei-me para viver grandes amores: viver paixões, me formar, me casar, ser mãe. E muitas coisas mais.

É tão comum convivermos com pessoas que tiveram um grave problema de saúde e superaram, que nem pensamos nisso. Já fiz contas nesse sentido. Meu pai, tetraplégico, estava acamado há cinco anos, devido a cinco AVC seguidos por cirurgias no crânio. Ele ficou em situação de morte por 13 vezes e retornou. Ainda que, vivendo em permanente sofrimento, foi dessa maneira que pude me aproximar dele e lhe dar afeto.

Num grupo de pessoas de meia idade, perguntem-lhes quantos deles estariam ali caso a medicina fosse primitiva? Boa parte pode ter sido salva por tratamentos que as curaram, que lhes permitiram viver de forma plena ou quase. É tão normal salvar-se que estranhamos quando a medicina apenas estanca a doença, ou a permite avançar devagar. E o que dizer das infecções que ainda matam? Custamos a acreditar que pneumonia ou infecção urinária pode acabar com uma vida. Sem contar as superbactérias, especialmente a aterrorizante KPC – Klebsiela pneumoniae carbapenemase, que foram criadas nos antibióticos, e viraram monstros quase incontroláveis, que vencem pessoas com imunidade enfraquecida.

Há mesas de bar, em que, se forem juntados os stents cardíacos dos componentes, se computariam uma pequena fortuna. Pena que, em vez de estarem bebendo pouco, comendo sem gordura, evitando cigarro e caminhando, fazem o oposto, e afirmam que se for para viver sem comer feijoada aos sábados, melhor morrer. Ah, esses homens, refiro-me aos teimosos, que nos dão alegria e preocupação, por sua mania de fugir dos médicos. Entre suas frases ouvem-se: detesto médicos; médicos não sabem de nada; quem procura acha; não “faço” toque retal, prefiro preservar minha dignidade; não confio nos remédios, eles me fazem mal.

Há médicos que têm prazer em dar más notícias. Eu mesma já me encontrei com alguns deles, ainda que neguem. Achar palavras na dose certa para falar a verdade, é arte. Adoçar irrita quem ouve, dar voltas gera desconfiança, minimizar a gravidade não convém, alarmar o paciente traz sofrimento extra. Há técnicas para se darem diagnósticos e prognósticos ruins, no entanto, para quem não as detêm, contar de maneira clara e suave é consenso. É tão bom ser tratado por médico interessado e humano.

Antigamente, quando não havia cura para muitas doenças, e, espante-se, no caso de infarto, a pessoa ia para casa “descansar”, em caso de câncer, não se dizia o diagnóstico, pois pouco podia ser feito. Exceção: Darcy Ribeiro teve câncer de pulmão em 1974, foi operado na França e viveu mais 24 anos, morrendo de metástases de um câncer de próstata, aos 74 anos. O preconceito era tamanho, que, estando exilado, foi-lhe permitido retornar de imediato ao Brasil.

Há pessoas que notam algo errado e nada fazem. Não entendo a lógica de se fingir que nada acontece. É melhor não saber, não tratar e morrer a mingua? Dr. Paulo de Tarso Salermo Del Menezzi, mastologista, sobre mulheres que não querem descobrir o que têm, falou que “quem procura acha, quem acha se trata e quem se trata vive melhor”. Vários concordarão com ele. Então, quem recebe uma nova oportunidade, que faça valer a vida que tem em sua frente. Que viva da melhor forma, ainda que, em alguns casos, com limitações. Trata-se para viver, e não para se lamentar. Afinal, tudo pode acontecer, inclusive nada. Então, que tal buscar uma boa razão para viver?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


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