sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Jarbas Vasconcelos e o Bolsa Família, de novo


* Por Urariano Mota


Nesta semana, o deputado Jarbas Vasconcelos declarou em entrevista por telefone à  Rádio Jornal, do Recife:

“Essa gastança com programas sociais é sem limite... Por exemplo, ele transformou o bolsa família numa compra de votos. Eu não estou dizendo isso de agora. Digo de anos atrás.... Mas o governo não pode fazer uma coisa como fez em larga escala, tirando gente da escola, fazendo com que essas pessoas hoje vivam disso, e não queiram sequer trabalhar”.

Sobre esse coice no rádio, é preciso destacar duas ou três coisas. Na primeira delas, a deputado estadual Teresa Leitão foi bem didática, na medida de sua indignação:

“Com 11 anos de existência, o programa atende hoje 14 milhões de famílias, mas nesse período, mais de 3,1 milhões deixaram de utilizá-lo voluntariamente, por terem superado o limite de renda prevista no programa. Dados do Ministério do Desenvolvimento Social mostram que mais de 96% dos 15,7 milhões de estudantes monitorados cumprem frequência mínima de 85%”.

Na segunda coisa que observo, quando Jarbas declara que não fala mal do Bolsa Família agora, pois a repete há anos, porque o governo federal faz com que essas pessoas vivam disso, e não queiram mais trabalhar, nesse caso particular, como um traço da personalidade que enrijeceu, virou casca grossa, ele tem razão. De fato, na reportagem “Garçom, procura-se”, que publiquei na Carta Capital em março de 2009, há 6 anos, portanto, pude confirmar a ignorância ou preguiça de se informar do nobre deputado.

Na época, o então senador Jarbas Vasconcelos achou por bem expressar, vestir o seu preconceito de classe com uma bela mentira. Então, ele assim falou em entrevista à revista Veja:

“Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família”.


Então caí em campo para descobrir o garçom que abandonara a profissão. De posse de duas Bolsas Família desistira de trabalhar. Isso porque, é claro, estaria em melhor situação, como se estivesse a cantar em redes ao balanço, “pois vivo na malandragem, e vida melhor não há”. Fui a campo, ao mangue, à praia, a Brasília Teimosa, ao vizinho bairro do Pina, à procura dos bares frequentados pelo senador nos “últimos 30 anos”.

A lógica era primária. Antes do garçom, havia que localizar o restaurante em Brasília Teimosa, onde antes de se balançar em redes, a cantarolar sambas, ele trabalhava. Acreditem, no bairro e vizinhança fui aos seis maiores restaurantes, lugares de assento do senador. Insatisfeito, fui a mais dois médios, onde ele nos últimos tempos poderia ter passado. E a dois próximos de restaurantes médios, onde ele, talvez quem sabe, num lapso pudesse ter acenado de passagem.

Manda a experiência, que antes de chegar ao local do crime o repórter pesquise, pergunte às pessoas invisíveis, mas que tudo veem. Por isso antes de entrar no primeiro, perguntei a duas senhoras idosas, uma delas moradora do bairro há mais de 40 anos. Ou seja, 10 antes de Jarbas Vasconcelos começar a beber e comer nas redondezas.

- Boa tarde. Me diga por favor: esse restaurante aí é frequentado por Jarbas?

- Jarbas?!

- Jarbas Vasconcelos, o senador.

- (Com pena do repórter) Hen-hen... Só se ele vem escondido, de madrugada. Eu passo o dia todinho aqui, sentada, olhando o movimento. A não ser que ele vá em outro. Mas pergunte aos empregados, eles sabem. O senhor é pastor?

Como não é comum evangélico de barbas grisalhas, imaginei que a bondosa senhora me confundiu com algum fundador de igreja nova. Pergunto ao flanelinha por Jarbas, que Jarbas?, nada. Entro no restaurante. E pergunto, como se uma resposta positiva fosse uma valorização, que me faria escolher o lugar para comer. É uma hora da tarde.

- Jarbas Vasconcelos vem sempre aqui?

- O senador?! Olhe, faz muito tempo que não. Eu trabalho aqui há mais de um ano.

Devo dizer que àquela altura a raiva invadiu o repórter. Estava começando a cansar dos restaurantes onde Jarbas ia há mais de 30 anos. Melhor dizendo: estava cansando de ir aos restaurantes de Brasília Teimosa onde Jarbas não punha os pés há mais de 10 anos. Perguntava a motoristas de táxi, a pedintes, a soldados da PM, a flanelinhas, a frentistas nos postos, a seguranças, a moradores vizinhos, a gerentes, até a mim mesmo, “Jarbas vem sempre etc.?”. Algo me dizia que o senador da república andara trocando datas, políticos e garçons. Algo me gritava que a memória do ilustre senador pregara uma peça.

E mandei para a revista o resultado da minha busca: o garçom que pediu demissão para viver de bolsa família nunca jamais existira. Agora, nesta semana o garçom voltou em nova feição. Mas desta vez sem ser um personagem. A mentira e o preconceito é que sobrevivem, na prática do deputado federal Jarbas Vasconcelos. Mas ainda há quem lhe dê crédito. A comédia ficou tragicômica.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.



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