quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Vai, Brasil - Mergulho no Brasil, este desconhecido

* Por Mara Narciso


No Brasil de 2015, fala-se da influência da mídia nas escolhas dos brasileiros. Os pensamentos andam uniformizados em argumentos frágeis num discurso pronto. Leiam “Vai, Brasil” da jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho, correspondente de guerra em conflitos no Oriente Médio e Ásia Central. Fez Teatro e Comunicação, escreveu romances e livros de viagem, e, morando no Rio de Janeiro de 2010 a 2014, onde fez seu quartel general, de lá partiu para uma agenda corajosa. Passeia por lugares onde o brasileiro não foi, narra com isenção como é o Brasil que pouca gente conhece, numa escrita portuguesa, pela qual é criticada por adotar o acordo ortográfico como também questionada por não adotá-lo.

Numa maneira peculiar de pensar, o quadro pintado com palavras, quase um filme, é fruto do seu talento de repórter que se joga dentro da ação, que não tem medo dela, que se infiltra, assume o risco, se afunda, e leva os leitores no mergulho. Entrevistando, mas valendo-se essencialmente da pesquisa etnográfica, cuja habilidade surpreende o mais hábil observador, sem nenhum preconceito, pois não estranha e nem julga nada, mostra a realidade das coisas. Assim, enfia o pé no barro para falar como é a lama. Uma não crente se entrega, e para entender seitas que usam chá alucinógeno, participa e toma a infusão. Evita falar de si, vive experiências, mexe e remexe cada palmo, cada pedra, traz gostosas descrições do comportamento humano, enquanto toma posições universais.

Assiste a posse de Dilma Rousseff, vê Lula discursar em São Bernardo, e tem contato com os Black Blocs. Cita brasileiros ilustres com a propriedade de quem ouve Caetano Veloso desde menina - ela tem 48 anos-, repete versos de Chico Buarque, relembra Nara Leão, remonta a aparição de Maria Bethânia e seu Carcará. Conta sobre Nelson Rodrigues, Paulinho da Viola (o homem mais zen do planeta), Nelson Cavaquinho e outros. Explica como são as UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), menciona o sumiço do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, visita a Rocinha, os Arcos da Lapa, a Mangueira, participa de rodas de samba, de celebração de umbanda, desfila em escola de samba, vai à praia. Vê show de Gal Costa e outros, anda a pé e de táxi. Mete-se em qualquer beco e em qualquer madrugada. Entra num casamento no Copacabana Palace, participa de festas na comunidade, vai a bailes funk e vê o comportamento sexual.

Vai a São Paulo e explica a paulicéia desvairada de Oswald de Andrade, a cracolândia, por onde passeia e fala da ação da prefeitura que “saneia” a área. Vê o tráfico de drogas, os usuários, as favelas, as roupas, e explica, entre outros costumes, as depilações íntimas. Conta dos deslizamentos de terra na região de Teresópolis. Participa das buscas, hospedando-se num convento. Viaja a Minas, visita Ouro Preto. Senta-se sobre jornais nas pedras da Praça Tiradentes, numa manifestação cultural. Explica a história, personagens e monumentos. Belisca os colonizadores e fala dos lamentos dos colonizados.

Não visita a Bahia, mas sobe ao nordeste. Detém-se em Pernambuco, que ocupa páginas com sua fervura cultural, que energiza o país. Comenta o cinema de lá. Menciona Glauber Rocha. Pelo sul visita Curitiba, e namora de longe o eremita Dalton Trevisan, do qual compra livros autografados.

Passando por Paraty, fala mais mal do que bem. Reclama do calçamento e da dificuldade de as pessoas comuns assistirem a FLIP, Festa Literária Internacional de Paraty. Não precisa agradar, então pode mostrar, na visita do Papa Francisco, a multidão acampada nas ruas de Copacabana, enfrentando filas de hora e meia para usar o banheiro químico, assim como pode falar mal de algo que nos seja caro. Não há problema em elogiar as comidas, citar fatos e pessoas (algumas com nomes falsos).

Empolga-se na sua ida a região norte, num passeio ao Pará e à Ilha de Marajó. Um naufrágio levou os búfalos para lá. As comidas paraenses dão salivação farta. Explica as cerâmicas marajoaras e as suas origens, assim como o nome Alter do Chão, uma denominação portuguesa. Aborda as questões indígenas, as florestas, os rios, cita Marina Silva, Chico Mendes, Darcy Ribeiro, analisando as questões sociais e ambientais. Vai de Belém a Manaus num camarote, em cinco dias de barco e depois vai a São Miguel da Cachoeira, em rede, no convés, convivendo com o povo, material de suas análises. O Teatro Municipal de Manaus é detalhadamente descrito, tornando-se urgente visitá-lo.

Explica o poder da família Sarney no Maranhão, anda por sua decadência e critica o abandono de parte da histórica São Luís, a cidade mais portuguesa do Brasil. Encanta-se com os Lençóis Maranhenses, entra no Centro de Lançamento de Foguetes de Alcântara, próximo a São Luís, e explica o que é, como é e porque é. 

Alexandra Lucas Coelho anota manifestações contra a Copa e em 2014 diz que se mudaria para o Brasil, caso pudesse. Quem quiser ver o país por olhos estrangeiros imparciais e contraditoriamente apaixonados, visite “Vai, Brasil”, nome irônico para um almanaque sobre o país do futuro, um lugar onde os preços são europeus e o salário mínimo.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

Um comentário:

  1. Nossa, o que não deve faltar é história nesse livro. Só de ler a lista de assuntos abordados já cansei! Leitura proveitosa, certamente. Abraços, Mara.

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