domingo, 30 de agosto de 2015

Uma velha amizade internacional – Primeiras relações


* Por Hélio Lobo


Precederam a quaisquer outras as relações diplomáticas do Brasil com os Estados Unidos da América.

É sabido que, acossado pela invasão napoleônica, teve que retirar-se D. João VI de Portugal, com destino ao Brasil.

Sua permanência no Rio de Janeiro foi a carta de alforria da colônia. Provado nos hábitos do governo autônomo, não volveria o Reino à sujeição primitiva.

E a prova é que, tendo permanecido no Brasil como Regente, logo que regressou seu pai à Europa, publicou o príncipe D. Pedro, futuro Imperador do novo Império, um Manifesto aos Governos e Nações Amigas, no qual escreveu: "Estarei pronto a receber os seus ministros e agentes diplomáticos e a enviar-lhes os meus..." (6 de agosto de 1822).

A 12 de agosto do mesmo ano de 1822 foi assinado o decreto nomeando Encarregado de Negócios do Brasil nos Estados Unidos da América a Luís Moutinho Lima Alves e Silva, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Era ministro da pasta José Bonifácio de Andrada e Silva.

Foi a nossa primeira nomeação diplomática. Dois decretos posteriores, do mesmo dia, designaram o marechal-de-campo, Felisberto Caldeira Brant Pontes, depois visconde de Barbacena, e Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa, mais tarde visconde de Itabaiana, ministros do Brasil em Londres e Paris. Anterior a essas nomeações só houve a designação, a 24 de maio de 1822, de M. A. Correia da Câmara para cônsul em Buenos Aires.

Nossa representação na América do Norte criava-se assim antes de qualquer outra, e antecipou-se de quase um mês à declaração da Independência.

Esta realizou-se a 7 de setembro de 1822. A proclamação do Império foi a 12 de outubro seguinte.

Era sabido o cuidado que aos homens do Norte inspirava a independência brasileira. Em 1787, em França, Thomaz Jefferson discorrera dela com estudantes brasileiros, à frente dos quais se achava José Joaquim da Maia.

A 15 de janeiro de 1822 foi nomeado cônsul do Império nos Estados Unidos da América, Antônio Gonçalves da Cruz.

O Encarregado de Negócios, Luís Moitinho, não pôde, porém, assumir seu posto, visto achar-se retido em serviços extraordinários na Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Por decreto de 21 de janeiro de 1824 foi nomeado para substituí-lo José Silvestre Rebello, de experiência e luzes, e assim conceituado por Porto-Alegre em nosso Instituto Histórico: "Como enviado aos Estados Unidos, ele desempenhou a sua missão de fazer reconhecer a independência de uma maneira rápida e satisfatória; como homem de letras, possuía raros conhecimentos de história e geografia; como membro do Instituto, era uma coluna firme, trabalhador, zeloso e modesto; além destas especialidades tinha muitas idéias de arqueologia, numismática e estética..." (Elogio dos sócios do Instituto pelo orador Porto-Alegre em 1844).

Silvestre Rebello chegou a 28 de março de 1824 a Baltimore, e a 3 de abril seguinte a Washington.

Presidia o país James Monroe. Suas declarações de anticolonização e anticonquista, feitas em mensagem de 2 de dezembro de 1823, tinham causado sensação. Era secretário de Estado John Quincy Adams.

Escreveu logo a Adams pedindo que fosse marcado dia para apresentação de suas credenciais. Começaram as conferências entre ambos. Deixou o Encarregado de Negócios do Brasil nas mãos do secretário de Estado uma memória justificativa, sob este título: "Succint and true exposition of the facts that lead the Prince, now Emperor, and Brazilian People, to declare Brazil a free and independent nation (20 de abril de 1824).

Poucos dias depois, a 26 de maio, era Silvestre Rebello apresentado a James Monroe e acreditado no caráter de Encarregado de Negócios do Império do Brasil. Frisou a ocorrência o Daily National Intelligence, de Washington, n. 3.354, do dia imediato, 25. A 26 escrevia Silvestre Rebello para o Rio de Janeiro e concluía: "Foi, pois, o Império do Brasil reconhecido por este Governo no dia 59º depois que desembarquei em Baltimore... Dou a V. Exa. meus parabéns."

Eduardo Prado, na sua Ilusão americana, de que se falará adiante, consignou: "Por ocasião da independência do Brasil não recebemos prova alguma de boa vontade dos americanos, e só depois de outros países reconhecerem a emancipação do Brasil foi que os Estados Unidos reconheceram a nossa independência".

Bem se está a apurar como a informação é menos verdadeira.

O autor clássico da nossa lei internacional deixou dito (Pereira Pinto, Apontamentos para o direito internacional, Rio de Janeiro, 1865, II, pág. 386): "Foi a União Americana a primeira potência que reconheceu a independência do Brasil. Enquanto a Grã-Bretanha, impelida de um lado a favor de nossa emancipação pelas suas exigências comerciais, pelo sistema liberal de governo e pelas suas tenazes aspirações a abolir o tráfego de escravos, oscilava, de outro lado, nesse empenho pelas diferenças que era obrigada a guardar com a sua antiga e sempre fiel aliada, a nação portuguesa; enquanto a Áustria, ligada por vínculos bem estreitos ao fundador do Império, era ainda mais ligada aos compromissos da Santa Aliança que encarava com olhos vesgos a independência dos países americanos; os Estados Unidos, conseqüentes com a esclarecida política que haviam adotado em referência a todos os povos que, na América, separando-se da metrópole, se tinham constituído regularmente, estende-nos mão fraternal e convida-nos a tomar assento no grande congresso das nações do Globo. Consagremos, pois, neste momento, um voto de gratidão ao povo dessa, a mais poderosa nação do Novo Mundo."

[...]

(Cousas diplomáticas, 1918.)


* Diplomata, ensaísta, biógrafo e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras.

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