sábado, 22 de agosto de 2015

Dona doida


* Por Adélia Prado



Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso,
com trovoada e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.



(O texto acima foi extraído do livro "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108).

* Adélia Prado é uma das principais poetisas brasileiras da atualidade, autora de vários livros de sucesso.



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