domingo, 30 de agosto de 2015

A mãe de minha mulher

* Por Ruth Barros

   
Em mais uma prova de que o amor é mesmo lindo, Anabel vai contar o caso de uma amiga, casada com outra mulher há 26 anos – imaginem quantos casais hetero que vocês conhecem que chegaram a fazer bodas de prata – e que se prepara para receber a sogra em casa por um longo período. Achei o relato dela uma prova de tal carinho e tolerância que vou reproduzi-lo aos escassos e fiéis leitores tal qual o ouvi:

- Minha sogra desfez a própria casa há pouco tempo, dada a idade avançada, e está fazendo rodízio pela casa dos filhos. Está deprimida, sentindo-se inútil, pela primeira vez não fez as festas de fim de ano, Natal, essas coisas. Além de o estado de espírito dela ser dos piores, pois repete que a única coisa que espera é a morte, ela ainda é daquelas do tempo antigo, cheia de cerimônia, que não abre a geladeira da casa dos outros, esperando sempre ser servida, o que é mais uma complicação. Eu trabalho fora o dia inteiro e minha mulher, que é advogada, tem escritório em casa, dá pra imaginar a confusão?

Achei realmente atrapalhado, mas isso ainda não era o fim do livro, conforme continuou minha amiga:
- Com a depressão e a idade poucas coisas a interessam para uma conversa, entre elas estão as próprias doenças e as novelas, que ela ama discutir, saber o que aconteceu, enfim, os personagens são mais próximos dela que a maioria das pessoas que conheceu pela vida afora. Acontece que não vejo novela por absoluta falta de tempo e minha mulher muito menos, por absoluta falta de saco. (Aparte da escriba: sem trocadilhos, por favor, amados leitores). Estamos meio atrapalhadas, mas tenho certeza de que poderemos resolver juntas o caso, mesmo porque tudo que a mãe dela precisa agora é um pouco de cuidado e atenção, e a isso estamos dispostas. E se a família ajudar vamos montar um esquema de ela ir vivendo seis meses na casa de um, seis meses na casa de outro, vamos nos ajeitando.

Nessa altura do campeonato não contive a curiosidade que habita minha alma xereta e jornalística e perguntei:
- Mas o fato de vocês serem um casal gay não perturba a mãe dela, que você diz ser tão tradicional?

Minha amiga riu:
- Acredite se quiser, ela tem outros quatro filhos heteros e toda vez que arruma discussão com um deles ou com as famílias diz que nenhum deles soube escolher marido ou esposa, que a única bem casada é a minha mulher!

Anabel Serranegra espera de todo coração que esse exemplo de tolerância e boa convivência contagie outras famílias

* Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra.

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