quinta-feira, 23 de julho de 2015

ÚLTIMO


* Por Gustavo do Carmo


Nunca se atrasava, mas era sempre o último a chegar. Na escola, na faculdade, no trabalho, nos eventos familiares... na vida.

Zulmiro era o último filho de cinco irmãos. Quando a sua mãe estava grávida, várias colegas de trabalho dela também esperavam seus filhos. Algumas esperavam o primeiro, outras o segundo e as demais, o terceiro. Uraniana esperava seu último. Depois que Zulmiro nasceu, teve uma complicação no parto e ficou estéril.

Por causa desta enfermidade com a sua mãe, Zulmiro foi o último a deixar o berçário da maternidade. Teve alta para uma vida de últimos lugares. Era o último a ser chamado em todas as listas por ordem alfabética. Do pré-escolar à faculdade. Nunca inverteram a lista para lhe chamar em primeiro lugar.

Em casa era sempre o último a sentar-se à mesa. Os irmãos do meio até brigavam com ele, porque a comida só seria servida quando Zulmiro chegasse. Mesmo ele sendo o último na preferência dos pais. Afinal, por culpa dele, a mãe quase morreu. Era sempre esquecido pela família.

Por isso, Zulmiro tornou-se alvo de bullying em casa. Na escola também, mas nesse caso por causa do seu nome e do seu físico franzino. Sofria com as humilhações dos irmãos e dos colegas. Isso influenciou no seu rendimento escolar e ele foi o último dos filhos de Seu Uzair e Dona Urânia a aprender a ler. Era sempre o último a terminar os deveres e sair da escola todos os dias.  Seu pai só o levou ao psicólogo em último caso.

Zulmiro adorava corridas. De qualquer coisa: pessoas, cavalos, cachorros, carros, motos, etc. Sempre que torcia para alguém a sua aposta chegava em último. Ficou com trauma. Decidiu apenas curtir. Não queria competir porque sabia que chegaria em último. E ele chegava sempre nesta posição quando disputava uma corrida com os amiguinhos ou os irmãos.

No futebol, chegava sempre em último nas jogadas. Era o que fazia mais faltas. Vivia sendo expulso. Decidiu não torcer por ninguém para que o seu time não chegasse em último nos pontos corridos e não fosse rebaixado.

Zulmiro cresceu. Como último dos irmãos, claro. Também foi o último a amadurecer. E a entrar na faculdade, na qual conquistou a última vaga. Cursou jornalismo, onde manteve a rotina de chegar sempre em último, mas nunca atrasado. Era sempre o último a saber das notícias. E chegava em último na corrida atrás da notícia.

Nunca conseguiu exercer a profissão de jornalista. Precisou trabalhar, pois a vida dos seus pais estava nas últimas e era sempre o último a ser lembrado pelos irmãos. Conseguiu um emprego de vendedor. Era sempre o último a cumprir as metas, mas cumpria.

A sua vida de últimos lugares começava a mudar. Casou-se com a última herdeira de uma família aristocrática. Viúva de um ex-padre, Vânia ainda tinha as suas últimas riquezas. Aos cinquenta e um anos, Zulmiro foi o último dos seus irmãos a se casar, mas o primeiro a ficar rico. Apesar de apoiado pela esposa, era constantemente traído por ela com outros homens e ele era sempre o último a saber.

Mesmo assim, tiveram uma única filha porque era a última chance de sua mulher, quase na menopausa, engravidar. A criança foi batizada de Adane, para que ela seja sempre a primeira a ser chamada e não ter o destino de último do pai, Zulmiro, que só nos seus últimos anos de vida riu melhor, mas riu por último.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
 Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores

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