domingo, 26 de julho de 2015

Histórias dignas de recordar

As histórias infantis, os tais contos de fadas, estão, provavelmente, entre as melhores lembranças de infância das pessoas da minha geração. Elas embalaram (pelo menos no meu caso), meus sonhos de criança e provavelmente determinaram meu caminho na vida, instalando em minha mente e em meu coração o gosto pela Literatura e, por conseqüência, a determinação de me tornar escritor. Busquei proporcionar essa mesma satisfação aos meus filhos, sobretudo às duas filhas mais velhas, e espero poder repetir isso com meu netinho mais novo, o João Vítor. Espero... Estou consciente, no entanto, de que terei que competir com a televisão, muito mais atrativa para a atual geração do que possam ser minhas canhestras narrativas. Está aí excelente desafio para eu encarar.

É verdade que nos tempos atuais, com sua correria amalucada e, sobretudo, com a sucessão de crises e mais crises de toda a sorte, que nos mobilizam, preocupam e não raro amarguram, tornou-se coisa do passado um hábito, que era tão comum há cinqüenta ou sessenta anos: o de contar histórias. Tive o privilégio de sonhar embalado por elas e estas são lembranças que não troco por nenhuma outra da minha infância (e, a rigor, de qualquer outra fase que vivi). Hoje, poucos, pouquíssimos têm tempo, disposição, ou mesmo imaginação para contar historinhas infantis, notadamente aquelas que atravessaram gerações, ao longo de pelo menos dois séculos, aos filhos, quando estes estão na cama, para eles dormirem. Isso sem falar, reitero, na concorrência da televisão. Ou, para ser mais atual, na fixação dos “pequenos” por computadores, tablets, smartfones e outras tantas engenhocas eletrônicas, cuja operação as crianças (algumas com apenas três anos ou pouco mais, juro!) dominam como que. Sinais dos tempos.

Os meninos e meninas de hoje só não são privados de histórias como “Chapéuzinho Vermelho”, “Os três porquinhos”, “Cinderela”, “Branca de Neve” e centenas de tantas outras, porque há muitos e muitos desenhos animados baseados nelas. Ainda assim, juro que as crianças prefeririam ouvi-las de pais, avós, padrinhos, tios, tias etc.etc.etc. de que gostam. Quando falo disso, muitos mal disfarçam um riso irônico ou fazem piadas quase sempre de péssimo gosto. Provavelmente, não tiveram infância. Não, pelo menos, aquela digna de recordar.

Alguns adultos, por exemplo, quando questionados a respeito, arrolam inúmeras desculpas para não terem esses momentos gratificantes de contato mais íntimo e amoroso com sua prole. E isso quando se dignam a justificar. A maioria sequer leva esse questionamento a sério. Muda de assunto quando se traz a questão à baila. Alguns dos que se desculpam, alegam, em geral, cansaço, depois de um dia exaustivo de trabalho, como se contar histórias aos filhos fosse alguma tarefa cansativa, estafante, estressante e não um agradável momento mágico de relaxamento e lazer para ambos. Não sabem o que estão perdendo.

Outros tantos alegam que essa é uma atividade de responsabilidade de escolas. E desfiam, invariavelmente, lamentações sem fim, apontando o quanto a educação da sua descendência lhes custa caro, com a mensalidade da escola, livros, material escolar, lanche etc.etc.etc. como se isso não fosse sua obrigação e que sequer deveria ser mencionado. Boa parte dessas pessoas sequer sabe alguma história, mesmo essas mais batidas e repetidas por guris de três anos, que as aprendem na TV. Estes, quando crianças, não tiveram o privilégio de ouvir tais narrativas feitas por quem gostavam de verdade. Se é que chegaram a gostar de alguém, o que tenho sérias dúvidas.

Duvido que essas pessoas sequer ouviram falar do dinamarquês Hans Christian Andersen, criador de histórias maravilhosas, como “O patinho feio”, “O soldadinho de chumbo”, “A pequena sereia” – que motivou o escultor Edvar Eriksen a produzir uma estátua de bronze alusiva a este conto que desde 23 de agosto de 1913 dá as “boas vindas” aos que chegam ao porto de Copenhague – ou essa pérola de poesia e sensibilidade que é o conto “A pequena vendedora de fósforos”. Não têm a mais remota noção do que estão perdendo. E, pior, privam seus filhos dessas maravilhas. Se não conhecem Andersen, sabem menos ainda dos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm, criadores de clássicos como “Branca de Neve” (popularizado por Walt Disney), “João e Maria”, “A gata borralheira”, “Rapunzel”, “Chapéuzinho Vermelho”, “Os músicos de Bremen”, “A bela adormecida” e vai por aí afora.

Os sisudos pesquisadores de Literatura raramente se dão conta de que essas histórias são clássicos literários universais, muito mais relevantes do que tantos romances, cujos autores veneram, mas que abordam (salvo exceções) apenas o que há de pior e mais perverso na natureza humana. Presumo que não tiveram infância. Não pelo menos aquela que desejo para meu neto e para todas as crianças, caracterizada pelo amor, pelo carinho, por sonhos e fantasias e por tudo o que realmente vale a pena e que um dia, na velhice, será algo maravilhoso de recordar. Afinal, o que é a vida se não um conjunto heterogêneo de lembranças? Sim, o que é?!!!

Boa leitura.

O Editor.

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