sábado, 25 de julho de 2015

Cinema, Aspirinas e Urubus


Por Fábio de Lima



Grata surpresa! Foi assim que recebi a notícia que o filme Cinema, Aspirinas e Urubus, do cineasta pernambucano Marcelo Gomes, foi escolhido como representante brasileiro na disputa por uma vaga no Oscar 2007. A escolha se deu na semana passada, em Brasília, pela Secretaria do Audiovisual. O primeiro longa-metragem de Marcelo Gomes derrotou outros 13 filmes. Havia produções de diretores já consagrados como Sérgio Rezende (Zuzu Angel) e Cacá Diegues (O Maior Amor do Mundo). Ainda assim, Gomes venceu a disputa com seu road movie ambientado no sertão nordestino dos anos 40, em plena época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A escolha dos 5 filmes concorrentes à estatueta de filme estrangeiro pela Academia de Hollywood só será anunciada no final de janeiro e a premiação do Oscar só ocorrerá no último domingo de fevereiro. Pelo menos 40 países costumam mandar um filme representante. Os critérios para escolha dos 5 finalistas são relativos. Em Hollywood, mais que em outros lugares do mundo, o marketing é poderoso e vital.  Lá não basta ser bom – tem que parecer bom. Portanto, Cinema, Aspirinas e Urubus terá uma batalha árdua de agora em diante, se quiser conquistar o mundo.

Mas já fico feliz com esta primeira indicação. Explico: o filme escolhido conta a amizade entre um alemão, vendedor da Bayer, que percorre pequenas cidades do nordeste brasileiro comercializando as modernas (na época) aspirinas, e um sertanejo rude e, ao mesmo tempo, bonachão, como só os sertanejos do nordeste brasileiro conseguem ser. Ambos viajam dentro de um caminhão. Pelas estradas muitos desgostos, angústias e  medos. Entre uma conversa e outra param o caminhão numa cidade – exibem o filme institucional da fabricante alemã de remédios, para pessoas que, provavelmente, nunca assistiram a um filme antes, e depois vendem os comprimidos como soluções para quase todos os problemas de saúde.

A pobreza é só pano de fundo no filme. Ele fala mesmo sobre a amizade. Para o alemão, que tem medo de ter que combater na guerra, o Brasil é lindo. Para o sertanejo, que tem medo de morrer de fome no atrasado nordeste, o país é horroroso. O país não, o seu sertão – porque ele acredita que no Rio de Janeiro tudo deve ser lindo. Então o filme se desenvolve no meio da poeira das estradas de terra – no meio das notícias do velho continente que chegam através do rádio. Cinema, Aspirinas e Urubus conta histórias lentas, mas profundas. O filme parece caminhar atrás da velocidade da história real – por isso seu olhar é tão atento e minucioso.

O filme foi rodado no sertão da Paraíba e muitas das pessoas locais que ajudaram na produção nunca devem ter assistido a um filme no cinema. O calor, a pobreza, e os costumes simplórios do povo da região ainda devem ser os mesmos dos anos 40. As notícias sobre guerras chegam hoje através da televisão ou de um filme comercial americano. Tudo parece igual, embora diferente. E mesmo neste mundo, talvez por tudo isso, surge a solidariedade, o companheirismo e a alegria da vida que transforma o povo sofrido num povo guerreiro. Tudo é igual e tudo é diferente. Cinema, Aspirinas e Urubus, parece um filme pequeno, mas é um filme gigante. Ele tem uma força como só o Brasil precisa e consegue ter. Este é o cinema brasileiro.

(*) Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. É Diretor de Programação da CINETVNET (www.cinetvnet.com.br), TV pela internet. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.



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