terça-feira, 23 de junho de 2015

Eu, o estranho e o relógio


* Por Tito Moreira



Minha mãe sempre orientava de que não precisávamos sair à cata do amor. Nós deveríamos ter paciência. Um dia, o amor nos encontrava. Eu, criança curiosa, sempre à escuta, achava que o conselho também era pra mim. Sempre olhava o relógio contando o tempo. Bem mais tarde, numa manhã de um sábado ensolarado, o amor bateu em minha porta, por engano. Não era nada daquilo que eu idealizara. Veio de longe, de além-mar, de outro fuso horário.

Mesmo assim, de imediato, eu o reconheci. Mas acho que ele não. Talvez por ser de outro continente, havia diferenças nos códigos de reconhecimento. Ou não! Não sei bem. Com outra cultura e visão das coisas, apesar das tantas diferenças, houve empatia. Ou assim pensamos.

Entre adaptação de uma língua pra outra, a comunicação se fez satisfatória. Saíamos e nos divertíamos à vera. Ríamos dos desencontros lingüísticos. Ríamos pra preencher as carências.

Numa noite, num bar, assistindo a performance de artistas no palco, assim, sem mais nem menos, nossas mãos se encontraram e, assim, permaneceram por longo tempo. Sem palavras. Era um momento anunciado. Andamos pelas ruas com a cumplicidade da madrugada a nos envolver. De repente nossos ombros se tocavam; começávamos frases no mesmo instante: “Fala você.” “Não, você primeiro”. Ríamos. E começávamos outra frase juntos e tudo se repetia. Nos despedimos na porta do hotel. Sem beijo, sem nada. Simples aperto de mãos. Mas havia desejo no ar. Os olhos como a pedir: não me deixe.

Os dias passaram. Nosso desejo aumentava. Mas parecia que se ele se consumasse, quebraria a magia daquele momento. E nos mostraria uma outra verdade nos ponteiros do relógio.

Já confiantes um no outro, mudou-se para meu apartamento, numa tarde quente, de um dia qualquer, de um mês qualquer.

“Quer um banho”? “E você”? “Vai na frente”... “Tudo bem”. A esperada cordialidade entre estranhos. Tateando, buscando, reconhecendo território.

As cortinas do quarto já fechadas, evitavam o olhar curioso do sol. Todo um clima conspirando a favor, ou não. As pernas tremem... Coração dispara...

Mãos se tocam. Olhos se fitam. Corpo treme. Bocas próximas, sente-se o hálito. Toalhas ao chão. O único som era a batida dos corações. ... Do meu. Do seu. Dos dois. E o tic-tac do relógio cadenciado.

Tudo muito terno, calmo. Momentos de descobrimento, de orientação. Instante único que nunca mais se repete. Assim... sem razão.

E o mundo se torna mágico. Os dias coloridos, mesmo quando nublados. Felizes. Plenos. Protagonista do meu enredo. E dirijo os atos. A cena. A locação.

Passam-se os dias, as semanas, as horas... Na mesma proporção, a magia vai-se indo, sem percebermos, nos deixando fingir. Nunca olhamos o relógio. O costume se fixa como escamas de peixe. Insiste no contra.

As diferenças que antes atraíam, agora conflitam. A carência não foi preenchida.

Um dia, o adeus. O outro lado não aceita, não entende, não quer. Mas se entendem e reinventam uma nova maneira de convivência. Não querem se deixar, mesmo cientes da possibilidade. Fogem, há uma dor maior a ser evitada. Combinamos amizade.

Surge o ciúme em doses homeopáticas. Primeiro, um atraso. Depois, horas inteiras. O ciúme aumenta. Destroçando flores, o bom das coisas, o colorido. O enredo se perde. Não se acha o início ou meio. Deixou-perder.

Alguém parte. Alguém fica. Alguém chora. E o tic-tac do relógio ensurdecedor...

* Jornalista

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