domingo, 28 de junho de 2015

Coisas pequeninas que podem resultar num homicídio (a qualquer momento)


* Por André Falavigna


Isso ainda vai acabar mal. Vejam só. Não é nada, não é nada, não é nada mesmo. Mas vai acabar mal.

Experimentem por si próprios. Antigamente, só uma lanchonete que há na Aclimação, muito tradicional, excelente mesmo, fazia isso. Chama-se Achapa. Todo mundo diz que vai “no Chapa”, mesmo indo ao Achapa. Não me perguntem o porquê. O caso é que isso lá era um charme, uma coisa diferente, uma exceção. Mas agora é regra: se você não avisar que não quer, a coca-cola vem com gelo e limão. Em qualquer lugar, menos nos fast-foods. Como os fast-foods não interessam, e como eles só servem refrigerante de máquina (adoro falar post-mix), isso não conta. O que conta são os lugares onde seres humanos de verdade vão comer. Nesses lugares ninguém se livra da dupla estranhíssima, o gelado Gelo e seu azedo comparsa, o Limão. O máximo que essa gente se permite é não presumir tudo de cara e perguntar-nos: “com gelo e limão, senhor?”. Quando dizemos que não, há terror e surpresa no ar. Como, sem gelo e limão? Certeza? Não pode ser. Deve haver algum engano. “Uma normal, então, sem gelo e limão? Ou só com gelo?”. Ora, se estiver gelada o suficiente, por que colocar gelo? Por que ninguém se lembra de acrescentar rum à oferta? Daí já vira Cuba Libre logo e pronto. Mas pelo menos faria sentido.

O pior é que esquecem o pedido quase sempre, e trazem com gelo e limão mesmo que você os tenha dispensado. E vão enchendo o copo. E foda-se.

Alguém, algum dia, disse à moça do caixa do Pão de Açúcar que sim, que quer mais alguma coisa? Eu não sei quanto a vocês, mas a minha parte em gentileza eu prefiro em descontos. Ninguém, mas ninguém mesmo, lembrou algum dia de alguma coisa que queria comprar por conta do lembrete da moça do caixa. Se eu não encontrei alguma coisa que procurava? Um dia desses eu respondo, só para ver o que eles fazem. Vou dizer que não achei minha marca de lubrificante íntimo preferida, e que é por isso que minha jovem esposa prefere o Wal-Mart (se não fizer a ressalva, a menina pode pensar que sou são-paulino ou coisa parecida). Será que a moça do caixa vai anotar e enviar um e-mail ao Abílio Diniz? Tem um cara aqui querendo enrabar a jovem esposa e não achou o gel apropriado. Pobre jovem esposa.

O dia em que vocês virem KY nas gôndolas do caixa do Pão de Açúcar, já sabem a quem agradecer.

E no Mac Donald’s? Experimente, por nostalgia, ir ao Mac Donald’s e pedir um Big Mac. A atendente pergunta sempre assim: “O senhor deseja o número 01?”. Se eu desejasse, muito provavelmente teria pedido o número 01, não é mesmo, querida? Não, eu quero só uma merda de um Big Mac e ponto. Perdi meu respeito pelo Mac Donald’s no dia em que eles deixaram de fritar as batatinhas em gordura animal. Pessoas que fritam batatas em gordura vegetal deveriam morrer hoje. As que fritam em gordura vegetal hidrogenada, essas vão morrer rápido de qualquer jeito mesmo. Corporações que cedem a esse lixo ideológico e fritam batata em gordura vegetal hidrogenada deveriam ser denunciadas por alguma dessas Ongs chatas que denunciam qualquer coisa que lhes peçam, desde que role uma verbinha pública. Isso sim é que é contrapartida social.

E as farmácias aderiram. Você compra uma coisa, o sujeito faz uma ilação absurda e oferece outra, por pior que seja o disparate. Voltemos à minha jovem esposa. Ela entrou no descanso. Para quem não sabe do que se trata: ela está naquela fase em que não pode tomar pílulas, porque precisa menstruar de verdade. Temos, então, que comprar camisinhas. Outro dia, fui à Drogaria São Paulo da Avenida Liberdade. Pedi um tipo de camisinha que acho que já não fazem mais: uma Jontex sem nenhuma lubrificação. Vinha na embalagem clássica da Jontex, cinza, com o rótulo em azul clarinho. A embalagem ainda existe, mas abriga outra camisinha, lubrificada. Como sou otimista, achei que existisse coisa similar, e consultei um vendedor. Ele disse que desconhecia, mas se eu quisesse um Viagra estava em promoção. Compreendo. Se eu quero camisinhas, é porque vou meter. Se vou meter, é possível que eu deseje meter mais e melhor. Vamos logo me oferecendo alguma coisa para melhorar essas minhas metidas que eu vou dar, que com essa cara de brocha eu devo estar precisando. Coisa fina mesmo.

Aliás, segue um aparte para a fineza dos grandes Laboratórios. A turma tirava sarro de um remédio chamado “Virgem Again”, que ademais não funcionava (pudera). Mas não sei como isso pode ser muito pior do que “Tampax” para um absorvente interno. Seguindo esse padrão de nomenclatura, o já citado Viagra dever-se-ia chamar “Metex”; os melhores purgantes, algo como “Cagox”; os diuréticos, “Mijox”; o velho e bom KY, “Enrabex”. E por aí iríamos. Gênios do marketing, esses caras do Tampax. A avó de um deles é que deve ter sugerido o nome. Daí ela ficar incomodada. É que levaram a boa senhora a sério. Fim do aparte.

Quando a gente pede um suco de alguma coisa, ninguém mais ousa adoçá-lo sem nos consultar, por pior que seja o estabelecimento. Normalmente, deixa-se o adoçamento por conta do freguês. Isso é bom. Agora, experimente pedir qualquer outra coisa que não suco, chá ou café (bebidas prontas, é obvio, não contam). Iogurte batido com leite, Toddy (ou Chocolate, como queiram), vitamina de qualquer coisa, sêmen de macacos loucos, o que vocês quiserem. Os caras colocam açúcar sem nem mesmo vir com aquela perguntinha irritante: “Açúcar ou adoçante?”. Mesmo que a coisa já leve açúcar num ingrediente básico: eles colocam mais açúcar. E se você reclamar, corre o risco de ver o açúcar substituído por cuspe, sub-repticiamente. Até em avião é assim.

Quem me conhece pessoalmente sabe que eu não dou a menor bola para o que um camarada faz na intimidade. Tenho um monte de amigo são-paulino, alguns até jogam vôlei. Não discrimino ninguém. Portanto, fico à vontade para me irritar com o seguinte: trabalhei durante anos em bureau de atendimento, essas empresas que terceirizam o atendimento telefônico das outras empresas. De cada dez homens contratados para atender, seis são homossexuais assumidos, dois estão por assumir, um disfarça e o restante cheira cocaína. Uma vez tomei coragem e perguntei a uma responsável pela seleção porque essa preferência toda. Esperava ouvir uma daquelas bobagens do tipo: eles são mais sensíveis, ou mais atenciosos, ou mais pacientes, ou qualquer outro preconceito do gênero. Mas a coisa anda piorando: ela me disse que o nível cultural dos homossexuais era melhor. Como se esse pessoal dos processos de seleção tivesse qualquer nível cultural que lhes permitisse chegar a uma conclusão dessas. O próximo que me vier com essa do nível cultural (meu Deus, o que é isso?) ou vocação artística de um determinado grupo de pessoas baseando-se no que cada um prefere praticar, eu bebo o sangue do sujeito na rua. Cambada.

Eu também gostaria de informar a todos que o fato de uma pessoa possuir defeitos físicos, ficar velha ou engravidar não melhora nem piora o caráter dela. Tem muita grávida filha da puta por aí. Velho então, nem se fala. Aleijado também. Creio que na mesma proporção do resto da humanidade. Que pessoas nessas situações devam ser privilegiadas numa porção de ocasiões, isso é óbvio. Mas é que esse tipo de benefício não é sustentado e nem pode ser suspenso baseando-se nas qualidades morais do beneficiário. Se o sujeito viveu bastante e por isso achamos que ele não deva mais pagar pela própria condução, isso está ótimo e tudo bem. Se Adolf Hitler atingisse os 65 e vivesse hoje em São Paulo, ele teria esse direito. E tem mais: você teria que lhe dar o assento de encosto amarelo nos ônibus, ou o assento de cor cinza nos trens do metrô. Vem tudo no pacote. Portanto, peçam-me que cumpra meu dever e peçam-me que seja educado (é realmente um grave sinal de decadência moral de toda uma população que exista uma lei obrigando as pessoas a darem lugar aos mais velhos e às grávidas para que eles possam se sentar no transporte público; esse tipo de atitude deveria surgir quase que sob reflexo), mas não me peçam para virar bobo do dia para noite. Não vou gostar de alguém automaticamente só porque a figura não ouve o que eu falo, ou não me vê, ou não pode me mandar à merda em alto e bom som. É inclusive muito provável que a mesma pessoa não espere isso de mim. E, se ela não espera, quem são os outros para cobrarem isso de nós? À merda, esse pessoal.

E não, grávidas não são mais bonitas do que as mulheres gostosas. A pele muitas vezes melhora, o cabelo também, mas o resto todo muda de categoria e não pode mais ser avaliado em termos de beleza (ao menos não nos mesmos termos em que se diz que fulana ou sicrana é bonita). Sujeitos que têm atração sexual por mulheres grávidas que não estão grávidas deles são monstros. Quando dizemos que tal ou qual mulher é bonita, é sobre isso que estamos falando: seria uma boa mandar ver nelas. Agora que vocês já sabem disso, pensem na nojeira que é ficar dizendo que beltrana ficou “muito mais bonita grávida”. Tremenda cara-de-pau.

 Alguém ainda vai pagar por isso tudo. Já não garanto a segurança de ninguém. Talvez seja o sujeito que, diante de um campeonato de pontos corridos, diz que tem saudades do “mata-mata”. Todos os campeonatos do país são disputados em “mata-mata”, menos o brasileiro. Mas o elemento é tão chato que não consegue suportar um só campeonato por pontos corridos sem dizer: “Ah, eu sei que é mais justo assim, mas eu tenho saudade do mata-mata”. Se sabe que é mais justo, cala a maldita boca e não torra a paciência dos outros.

Talvez venha a ser o ambulante que estende a mão entre meus olhos e meu livro oferecendo dois docinhos por um real e que, quando digo que não os quero, me responde: “mas segura só um pouquinho”; ou ainda aquele outro que simplesmente atira os doces em cima do meu colo, enquanto eu estou lendo, e depois começa a discursar acerca de seus elevadíssimos méritos morais. Afinal, ele poderia estar me roubando (eu bem que mereço, entende?), mas não, prefere ir lá me encher o saco.

Talvez seja a voz do metrô que me diz para não dar esmolas e para preferir uma instituição da minha confiança, como se o que eu faço com meu dinheiro e o esmoler com o dele (depois que eu o dei a ele, o dinheiro é dele, que pode usá-lo como bem entender, inclusive para tomar um porre) fosse problema dela, e não nosso.

Talvez seja outra pessoa, de que nem me lembro agora.

Seja lá quem for, alguém vai ser. E não perde por esperar.


(*) André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas  publicações eletrônicas.

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