domingo, 31 de maio de 2015

É preciso cobrar

  

* Por Pedro J. Bondaczuk



Os meios de comunicação – jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão e portais da Internet – tratam da questão da violência urbana e, principalmente, da criminalidade, com a competência que deles se espera? Esta é uma pergunta que ouço com freqüência, em palestras que dou para estudantes, e nos variados eventos de que participo, quando descobrem que sou jornalista. Outras indagações do gênero são acrescentadas, como: a imprensa presta à sociedade, com a abordagem que dá ao tema, o serviço que dela se espera? Age, de fato, como canal de comunicação entre os cidadãos e as autoridades responsáveis pelo tratamento do problema?

A resposta a estas perguntas, assim, de forma generalizada, é um tanto perigosa. Afinal, como já lembrava o saudoso (e polêmico) Nelson Rodrigues, “toda generalização é burra”. Quanto à divulgação de notícias, que dão conta de crimes e de outros atos de violência, os meios de comunicação até que se comportam a contento. Salvo uma ou outra (desonrosa) exceção, noticiam os acontecimentos do gênero com correção e sobriedade, atendo-se rigorosamente aos fatos. No que se refere às cobranças de providências, por parte das autoridades, todavia, deixam um tanto a desejar.

Claro que há exageros e distorções pontuais, aqui e ali, neste ou naquele veículo, deste ou daquele repórter (ou deste ou daquele editor que, no final das contas é, ou deveria ser, o responsável direto pelo quê, e como, a sua editoria publica). Nada, porém, que descambe para o ridículo, o caricato, ou o irresponsável (que no caso seria a apologia do crime ou a glamourização do criminoso), o que poderia ser caracterizado como antijornalismo.

Já comentei, em outros artigos, que não são os jornais, as revistas, os portais da Internet e as emissoras de rádio e de televisão que, de alguma forma, estimulam, eventualmente, a violência urbana e a criminalidade. Pelo contrário. Eles previnem a população, para que fique sempre atenta e vigilante para não se tornar vítima de assaltantes, de seqüestradores e/ou de assassinos.  

Encerrei, porém, o referido artigo da seguinte forma: “Mas não se pode, sobretudo, deixar de dar razão ao psiquiatra e criminalista norte-americano Frederick Hacker, quando adverte: ‘Penso que o volume e o grau de violência que toleramos, hoje, são realmente assustadores. Indignamo-nos, aqui e ali, com algumas brutalidades, mas estamos dessensibilizados. À força de tolerar, chegamos a endossá-la e encorajá-la’. Afinal, como diz o surrado clichê (mas oportuno neste caso): ‘Quem cala, consente!’. E, por omissão, estamos consentindo, de fato, nessa escalada da violência”.

Falta uma cobrança mais enfática, contundente e continuada da nossa imprensa às autoridades responsáveis pela segurança pessoal (e a do patrimônio) do cidadão. O jornalista Ib Teixeira, em entrevista no “Programa do Jô”, no dia 4 de junho de 2003, alertou para os dados de uma pesquisa que revelavam que o número de mortes violentas no País, em apenas 10 anos, havia chegado a 600 mil pessoas! Qual das guerras dos últimos tempos causou tantas vítimas fatais, num período relativamente tão curto?

A violência vem ceifando, sobretudo, a nossa juventude. Pesquisa, já antiga, intitulada “Mapa da Violência”, divulgada em 7 de junho passado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura”, Unesco, revela que 39,9% das mortes ocorridas na população entre 15 e 24 anos, em 2002, tiveram como causa o homicídio e 15,6% foram provocadas por acidentes de transportes. O estudo aponta crescimento de 88,6% de óbitos por homicídios entre os jovens nos últimos dez anos. Isso, a despeito da mortalidade total no País haver diminuído no período. Passou de 633 em 100 mil habitantes em 1980, para 573 em 100 mil em 2002. Essa situação, em vez de melhorar, se agravou muito.

O sociólogo da Unesco, Júlio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo citado estudo, reconheceu que os jovens são a parcela da população mais vulnerável. E isto, em todo o mundo. Ainda assim considerou “absolutamente inaceitáveis” os índices que são registrados no Brasil. E concluiu: “Um país não pode não ter uma política pública para um setor da população que são 35 milhões”. E não pode mesmo! Alguma coisa tem que ser feita, e com urgência. A questão não comporta omissões de quem quer que seja e, sobretudo, dos meios de comunicação.

Diante dessa realidade nua e crua que a imprensa nos expõe, diariamente, se pode dizer, sem demagogia, que o Brasil vive, e há muito tempo, virtual guerra civil nas ruas, nos bares, nos becos, nas favelas e nos cortiços de suas principais cidades. É um conflito sequer admitido, sem líderes, sem bandeiras, sem ideologias e sem objetivos, mas que nem por isso deixa de existir e de estar sempre presente em nosso cotidiano. É caótico e imprevisível. Pode atingir qualquer um de nós, a qualquer hora e em qualquer lugar. E seus resultados são terríveis para a população.

A violência urbana, frise-se e reitere-se, não é um problema exclusivamente brasileiro e nem só dos países emergentes, ou do chamado Terceiro Mundo. E nem é fenômeno recente. Remonta à própria criação das primeiras cidades, instituídas, justamente, para proteger as pessoas de atos cometidos por predadores nômades. A nós, contudo, importa o que ocorre atualmente, e ao nosso redor.

É uma ingenuidade, na qual muita gente até bem intencionada incorre, atribuir a violência urbana “apenas” a questões sócio-econômicas, embora não se possa (e nem se deva) negar que estas têm enorme peso. As causas são múltiplas, desde as sociais (é claro), às psicológicas, econômicas, estruturais etc. E até mesmo as fisiológicas já foram detectadas por especialistas, conforme estudos que identificam a existência de "personalidade criminosa", feito pelo criminalista italiano Cesare Lombroso.

Nos casos de homicídio, (somados os crimes dolosos, ou seja, intencionais e planejados e os culposos, por negligência, imperícia ou imprudência), tendo por vítimas e por autores número crescente de pessoas jovens, a grande maioria não foi praticada, como se pode imaginar, por perigosos bandidos ou ousados e cruéis assaltantes. Esses delitos foram, em boa parte, cometidos por cidadãos comuns. Por pessoas aparentemente pacatas, que por este ou aquele motivo, via de regra banal, suprimiram vidas humanas.

É certo que o álcool e as drogas tiveram decisiva contribuição nessas mortes. E a visível e crescente desagregação da família em muito contribuiu para esse extremo de violência. Mas em nossas cidades mata-se pelos motivos mais corriqueiros e banais, como discussões sobre futebol, ou sobre trânsito, ou por ciúmes, ou até mesmo sem nenhuma razão, em repentes de raiva.

O cidadão não aceita mais permanecer refém passivo de abusados marginais, de perigosos bandidos, de insensíveis narcotraficantes, enfim, do crime organizado, que a cada dia se organiza mais e mais e dispõe de crescentes recursos tecnológicos, além de sofisticadas e poderosas armas (até mísseis, do tipo sting, já chegaram a ser apreendidos, além de minas terrestres com enorme poder de destruição e granadas) que as polícias, evidentemente, e até muitos exércitos, não dispõem.            

As pessoas não estão mobilizadas para cobrar, com maior ênfase, providências urgentes contra esse calamitoso estado de coisas. Na Argentina, anos atrás, um caso de seqüestro de um adolescente levou a imprensa a deflagrar intensa campanha. Em pouco tempo, a mobilização levou 600 mil pessoas às ruas para exigir providências das autoridades. Esse clamor popular teve, como resultado imediato, a aprovação, em tempo recorde, no Congresso desse país, de leis mais duras contra esse tipo de delito. Será que a imprensa da Argentina é mais competente do que a brasileira? Fica a incômoda pergunta no ar...


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 
      


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