sexta-feira, 24 de abril de 2015

Sobre a Petrobrás não há noticiário, apenas veneno

* Por Urariano Mota


Talvez seja muita pretensão minha, ou até mesmo delírio, mas me parece que ainda não foram anotadas as repercussões futuras de dois momentos históricos, ligados como ação e reação, nesta ultima semana. Podemos mesmo observar um antes, um durante e depois. No primeiro ato histórico, tivemos o editorial de O Globo no dia 24 de fevereiro deste ano da graça e limite.   Foi um texto que anunciava a que vinha já a partir do seu olho, que em jornalismo funciona como um pequeno trecho em destaque. Pois o olho do editorial de O Globo anunciava:

“Manipulação política em torno da Petrobras

PT ressuscita discurso da década de 50, quando o petróleo era ‘nosso’, mas continuava debaixo da terra. Agora, sem mudança de modelo, ele ficará no fundo do mar”

Vocês já veem que o sentido da palavra “histórico” nem sempre é positivo. Pois o histórico nem sempre é digno de pertencer à história. Assim, é histórica a ascensão do nazismo na Alemanha. Mas isso não é digno de pertencer aos acontecimentos que nos engrandecem. Então continuemos, porque no editorial de O Globo pouco importa o arrazoado feijão com arroz de todos os dias que nele se inscreve em quase 90%. O importante é o que vem ao fim, nestes parágrafos:    

“Lembre-se que a descoberta do pré-sal foi usada para se instituir o modelo de partilha, o monopólio da estatal sobre a operação na área, conceder-lhe compulsoriamente 30% dos consórcios e estruturar-se um megalomaníaco programa de substituição de importações de equipamentos, também usado pela indústria de propinas do petrolão. Se a Petrobras, em condições normais, já tinha dificuldades para tocar esse plano de pedigree “Brasil Grande”, agora é incapaz de mantê-lo. Não tem caixa nem crédito para isso. Não há como sustentar o modelo.

O PT, ao reagir ao petrolão, ressuscita um discurso da década de 50 e recoloca o Brasil na situação de antes da assinatura dos contratos de risco, no governo Geisel: o petróleo era “nosso”, mas continuava debaixo da terra. Agora, do mar.”

E agora esclarecemos o que é mesmo histórico nesse editorial, no sentido de um momento marcante. Trata-se do seguinte. Mais de uma vez, a visão de que a mídia está contra os interesses nacionais recebe o nome de paranoia, ou de mania de perseguição da esquerda. Mas nesses últimos parágrafos do editorial de O Globo no dia 24 se demonstra que a esquerda nada tem de paranoica. Ficou claro que O Globo e companhia engoliam entalados, até então, o modelo de partilha da exploração do pré-sal. Fingia de equidistante, enquanto esperava, trabalhava, apostando para o seu fracasso, assim como um inimigo na tocaia. O sol da minha terra tem dois clarões, dizia João Cabral de Melo Neto:

“O sol em Pernambuco leva dois sóis,
sol de dois canos, de tiro repetido;
o primeiro dos dois. o fuzil de fogo.
incendeia a terra: tiro de inimigo”. 

O editorial foi uma iluminação de dois sóis, de fuzil de fogo e de tiro de inimigo. Dizia ele: “Se a Petrobras, em condições normais, já tinha dificuldades para tocar esse plano de pedigree ‘Brasil Grande’”.  Ouviram bem, pedigree de Brasil Grande, e nesse pedigri falam mais alto os primeiros sentidos de ascendência de cachorro, de animal de raça. E concluía o parágrafo do editorial: “Não há como sustentar o modelo”. Ora, então entreguemos de vez o pré-sal a empresas e países mais capacitados. Mas o petróleo que O Globo diz estar “no fundo do mar” já enche 700 mil barris/dia.  Em resumo, o que o editorial quis dizer foi: renunciemos ao sonho impossível, a  esse sonho maluco de ver o Brasil como uma pátria grande e universal. Que não foi sequer sonhada por Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.

Mas o que incendiou mais a terra, nesse tiro de tocaia, foi o seu momento. Pistoleiro sabe o instante preciso de atirar. Numa onda, num vagalhão de denúncias de “avarias proporcionais à dimensão da roubalheira”, para usar a expressão nada protocolar do editorial, no sistema orquestrado de noticiar a delação selecionada, montada em ligações as mais traiçoeiras, está o dia 24 de fevereiro. Nesse dia, à noite se esperava o grande encontro de defesa da Petrobras. A coincidência com a manifestação. E Lula era esperado. Havia que atirar antes da eloquência ansiada.

Que não se fez esperar. Assim falou o cara da comunicação do Brasil, o político que sabe falar para o povo do Brasil. Falou quem melhor sabe comunicar conceitos pesados, complexos, para a compreensão de todos. Adaptando um bordão, "nunca houve, em toda a história", um presidente que saiba falar tão bem para o povo. Ele possui o dom de extrair das estatísticas a realidade humana.  E falou e disse:

“O que estamos vendo é a criminalização da ascensão social de uma parte da sociedade brasileira. Como vimos na campanha eleitoral, para eles é ofensivo as pessoas receberem Bolsa-Família, é ofensivo as pessoas participarem do Pro-Uni. A elite não se conforma com a ascensão social dos pobres que está acontecendo neste país....      

Não precisa mais de Justiça. Se a imprensa falou está falado. Mas cheguei à Presidência [da República] duas vezes sem ela....

Sou filho de uma mulher analfabeta. de um pai analfabeto. E o mais importante legado que minha mãe deixou foi o direito de eu andar de cabeça erguida e ninguém vai fazer eu baixar a cabeça neste país. Honestidade não é mérito, é obrigação. Eu quero paz e democracia, mas se eles querem guerra, eu sei lutar também”.

No outro dia, desse magnífico discurso, desse grande momento, que soubemos pela grande imprensa? Na Rede Globo, tanto no Em Pauta, quanto no Bom dia Brasil (Mau dia Brasil), a notícia do encontro da defesa da Petrobras foi a briga entre “militantes”. Na imagem fixa, um camisa vermelha dava um chute num “democrata”. Na Folha de São Paulo, a mesma foto do vermelho agredindo.  Mas com o seguinte olho para a notícia do discurso de Lula:

“Manifestantes da CUT e do PT entram em confronto com grupo antigoverno do lado de fora de ato pró-Petrobras”.

Ou seja, sobre a Petrobras, não existe noticiário. É só veneno. É só desejo, que nem se disfarça mais, de apostar todas as fichas no caos.  O depois desses dois momentos históricos é agora, continua na guerra articulada contra a Petrobras e o pré-sal, que o editorial de O Globo tão bem revelou, e Lula soube melhor responder no mesmo dia.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.


Um comentário: