domingo, 26 de abril de 2015

Espírito moderno



* Por Pedro J. Bondaczuk


A "modernidade" (verdadeira abstração) tornou-se hoje a bandeira do homem contemporâneo, que mesmo não sabendo definir com clareza o que quer dizer com o termo, jura estar empenhado num processo dessa natureza. Os que se aferram a modismos, pensam que esse comportamento é novo.

Hoje, lêem-se, a todo o instante, em editoriais, notícias, entrevistas e ensaios, principalmente nos cadernos de cultura dos jornais, termos como "modernizar a indústria", "arte moderna", "processo de modernização da sociedade", etc. Pura retórica. Bobagens de quem não tem o que dizer e ainda assim busca ocupar o espaço que deveria ser destinado a idéias, que é o de que mais o homem deste início de milênio precisa.

Ainda no século XIX, Charles Baudelaire escrevia a esse propósito: “A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável”. 

Note o leitor que há já bom tempo não surge nada de novo no cenário cultural do mundo, entendendo a palavra "cultura" no seu significado mais amplo e abrangente. Não há novidade consistente na literatura, nas artes plásticas, na música, na filosofia, nas ciências sociais etc.

É uma pasmaceira só, uma mediocridade inquietante, uma lerdeza mental contundente. É como se, de repente, a maioria das pessoas pusesse em suas cabeças que pensar é um processo doloroso. Mas não apenas não dói, como de quebra é algo muito saudável. Portanto, ao contrário do que se pensa e que se apregoa, não é somente o jornalismo que passa por uma crise de criatividade.

O escritor Graça Aranha abordou esse tema, o do que seria moderno ou não, numa conferência que proferiu em 1924, na Academia Brasileira de Letras. Já naquele tempo, há quase 80 anos, "modernidade" era uma espécie de mantra para os pseudo-intelectuais, que o tempo se encarregou de sepultar no esquecimento.

Moderno, no final das contas, é todo o homem de pensamento lúcido, que marca o período que vive. Platão, Sócrates, Aristóteles o foram em suas comunidades e em suas épocas. Dante Alighieri, Camões, Alexandre Herculano, Victor Hugo etc., também. Assim como milhares de muitos outros, hoje rotulados como "clássicos" (expressão a que alguns pretendem dar conotação pejorativa).

Disse, Graça Aranha, na mencionada conferência: "Que é o espírito moderno? No ardente e perpétuo movimento da sensibilidade e da inteligência como distinguir a expressão inequívoca do momento, o propulsor espiritual, que nos separa do Passado e nos arrebata para o Futuro? Não será uma contradição pretender-se fixar o que só tem uma existência imaginária e só é abstração? Para o observador, que assiste à fuga do tempo, nada é atual; o Presente é uma ilusão. Como as águas de um rio, em cada instante que passa, o espírito do homem não é mais o mesmo".

Para tornar o debate ainda mais obscuro (e inútil), a moda agora é falar de um certo "pós-modernismo" (?!!). O que significa isso, meu Deus do céu?!! Seria a anticomunicação, o uso de palavras e construções obscuras, "entendidas" por uma minoria absoluta, que forma uma espécie de confraria?

Seria a antiarte? A antiliteratura? A antimúsica? Provavelmente sim! O que autoriza os pseudo-intelectuais, desses que gostam de "brincar de cultura", a tentar ridicularizar determinadas obras, de valor artístico e intelectual nítido, ao classificar esses trabalhos de arcaicos, “demodés”, ultrapassados?

"Engessar" a criatividade com regras, conceitos e métodos obscuros é fazer arte? Moderno, no nosso entender, é todo o indivíduo, não importa em que tempo ou lugar tenha vivido, que, como preceituou o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw (numa das poucas vezes em que deixou de fazer ironia com a estupidez humana), "consegue mudar a si mesmo" antes de buscar a mudança do mundo. O resto é um conjunto de baboseiras sem pé e nem cabeça.



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 
      


Um comentário:

  1. O clímax da imbecilidade travestida de cultura foram alguns escritos de Diogo Maninard, daquele tempo em que eu perdia meu tempo com a Veja. Ele falou categoricamente que Carlos Drummond de Andrade não prestava, que a Estátua do Cristo Redentor era horrível, que Aleijadinho era uma fraude, além de que o barroco brasileiro não existe e nem nunca existiu. Está tudo lá. Quem quiser confirmar, é só ler. Eu li, e não valorizei a opinião desse falso intelectual. Sou mais você, Pedro, que sabe valorizar o que de fato tem valor.

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