segunda-feira, 27 de abril de 2015

Brevidade


* Por Daniel Santos



Dormíamos ainda, e o estrondo abalou todo o vilarejo. De início, intrigados, divisamos um estranho vulto fincado no terreno e, perplexos, nos dispersamos, quando alguém gritou “é um míssil, vai explodir!”.

Não explodiu. Peritos atestaram se tratar mesmo do tal armamento, embora de origem ignorada, ainda mais numa época sem guerras, e deixaram-no ali como metáfora de que tudo pode estar por um segundo.

Tentaram nos acalmar (“antigo demais, não funciona”, disseram), mas durante muito tempo vivemos com a angustiante sensação dos últimos dias. Faz décadas. Alguns já se mudaram, outros morreram. E nada!

Hoje, as crianças brincam à sua volta. Os mais velhos reprovam, porque, de raro em raro, ouvem o tic-tac dentro da fuselagem – sinistra advertência de que o viver, por mais gozoso, nada pode contra o destino.

À noite, observamos no céu perigosas luzes sem revelar direção, mas logo miríades de pirilampos cintilam sobre nossas casas. Aceitamos a bênção. Afinal, mais breve é a vida, se vivemos no aguardo do fim.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário: