quinta-feira, 23 de abril de 2015

Amantes em vez de adeptos



O carismático poeta espanhol, Federico Garcia Llorca, afirmou em certa ocasião: “A poesia não quer adeptos: quer amantes”. Ou seja, não admite meios termos. Ou você se apaixona por ela ou ignora-a. É nisso que ela se diferencia de outros gêneros: no sentimento, na empatia, na cumplicidade que estabelece entre autor e leitor. Nesse aspecto, todo poeta (refiro-me aos bons) é carismático. Consegue, simultaneamente, nos fazer sentir a mensagem que se propõe a transmitir e refletir sobre seu significado. E a poetisa fluminense Márcia Mendes, autora do livro “Permanência”, publicado pela editora “Mar de Letras”, não foge à regra. Conta com esse carisma. Faz, de quem a lê, não propriamente apenas admirador, mas, sobretudo, “amante” de sua poesia.

Como e por que esse fenômeno ocorre? Bem, poderia citar um sem número de explicações, ou de tentativas de explicar, mas nenhuma delas convence. Pelo menos eu não me sinto convencido por nenhuma delas. Para mim, isso é inexplicável. Prefiro a explicação, que nada explica, dada pelo mesmo Garcia Llorca, que citei no preâmbulo dessas reflexões, que afirmou: “Todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas”. Ou não é?!!! Como se forjam os poetas? De onde lhes vem esse talento de nos comover, apaixonar e refletir?

Creio que seja inato, embora o ambiente em que o poeta nasce e vive possa ter alguma influência. Vejam o caso de Márcia Mendes. Ela nasceu (em 7 de janeiro de 1969) em um lugarejo bucólico, próximo à cidadezinha litorânea de Mangaratiba, no Estado do Rio de Janeiro. Passou a infância em um ambiente que rescendia a poesia, entre o mar e a mata atlântica. “Só isso fez dela a poetisa sensível e carismática que é?”, perguntaria o leitor mais cético. Claro que não! Fosse “apenas” esta a causa, todos os moradores dessa localidade seriam poetas, o que, evidentemente, não são. Entram aí, além do talento potencial, as influências do meio ambiente, da família, da vivência e da leitura, entre tantos e tantos fatores.

A própria Márcia deixa isso claro na entrevista que deu a Selmo Vasconcellos, publicada no portal dele (WWW.selmovasconcellos.com.br), ao informar: “Vivi com meus avós paternos num lugarejo próximo a Mangaratiba.  Era uma casinha rosa de janelas verdes, construída por vovô, espremida entre o mar e a mata atlântica. Não havia luz naquela época.  As noites eram proseadas na varanda, à luz do lampião à querosene. Minha avó, catalã, contava histórias de sua cultura, enquanto vovô lia em voz alta a poesia de Pessoa, Bandeira, Cecília e Drummond.  A leitura está entronizada de tal forma na minha estrutura psíquica que faz parte do meu Eu.  Leio tudo. Busco a leitura com voracidade, inclusive novos autores.  Gosto de encontrar na pluralidade, o singular de cada autor, o original, aquilo que me traz espanto”. Entendo que, sobretudo, ambiente, família e talento inato, os três fatores simultaneamente, fizeram de Márcia Mendes a excelente poetisa que é. Tudo isso e muito mais...     

O carismático poeta chileno Pablo Neruda, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, afirmou, certa feita, em uma de suas tantas entrevistas: “A poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem”. De fato, tem. Fala, pois, diretamente à alma e não, propriamente, ao intelecto ou prioritariamente a ele. É algo muito mais para ser sentido do que propriamente entendido. E essa capacidade Márcia tem de sobejo. Não por causa de sua profissão de psicóloga, que sonda a mente dos pacientes em busca de problemas que os afligem, como os desavisados podem supor. Pode até ser que ajude, mas não é essencial. Fosse assim, todos profissionais dessa área seriam poetas. Todavia, raros são.

A própria Márcia define sua aptidão, neste trecho da citada entrevista que deu a Selmo Vasconcellos, ao fazer esta declaração: “Sabe, Selmo, eu acho que o poeta é um alquimista capaz de transformar o cotidiano.  O verdadeiro poeta transforma as lentes, pinta as telas, traz colorido à vida.  Nossas emoções traduzem sentimentos. Sentimos aquilo que nos emociona. O poeta percebe as sutilezas que envolvem a linguagem e o sentir, assim, consegue decifrar esse enigma e mostrar o avesso do feio, do triste, do mal.  Não há impacto, o impacto está na percepção do poeta.  Escrevo em cafés barulhentos, em aviões, em aeroportos, no silêncio da madrugada, ou no meio do dia. Escrevo quando as palavras me alcançam.  A palavra é viva.  Enfileiram-se e dão concretude aos meus pensamentos que traduzem as imagens mentais que percebo”.

Partilho com você, paciente leitor, o poema abaixo, publicado no livro “Permanência”, de Márcia Mendes, destes que a gente gostaria de ser o autor, por expressarem a caráter o que pensamos a respeito:

Morte

“Papel em branco?
Não temo.
Temo a morte que tem cara feia
Que faz o coração se soltar do peito
E sangrar,
E doer…
Morte tem cara?
Chega sem que se espere.
Entra sem ser convidada,
Suspendendo amores,
Interrompendo dizeres,
Levando pessoas
Sei lá pra onde,
Trazendo saudade.
Mal-educada, atrevida, insolente!
Morte é fio cortado
É esquina dobrada
É rosto escondido.
Dona Cotinha, carpideira convicta
diz que já viu:
É mulher, veste preto e cheira a terra.
Pro padre ela não tem rosto.
Pensando bem morte deve ser homem,
Veste branco e cheira a flores.
Somente ela foi capaz de acabar
Com dores intermináveis,
Sofrimentos inaceitáveis,
Viveres mortos.
Isolamento de tudo…
É a morte um exílio?
Pode ser.
Só sei que
Não sei morrer”.

Agora, respondam-me: como não se apaixonar por uma poesia assim?!!! E, sobretudo, por uma poetisa tão competente e convincente?!! Sim, leitor, como?!!!Voltarei, certamente, ao tema.

Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. Ninguém sabe morrer, ainda assim, o último verso traz um monte de novidade e luz.

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