sábado, 14 de março de 2015

Pensamento político de Machado de Assis


O advogado e “imortal” da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça, publicou, em 17 de julho de 2007, no tradicional jornal “Diário de Pernambuco”, esclarecedor artigo, intitulado “Machado de Assis e a política”, em que apresenta (e comenta) algumas opiniões e posturas do nosso maior escritor a propósito desse tema. E estas foram em quantidade impressionante, não apenas em artigos e crônicas na imprensa, mas também em romances e contos. Localizei esse bem fundamentado (e otimamente redigido) texto no arquivo digital da ABL. Recomendo-o ao leitor que queira mais (e abalizadas) informações a esse respeito.

Em determinado trecho, o ilustre articulista observa: “Não se deixam de anotar muitas amostragens do interesse de Machado pela política, não na militância das ruas, mas na consideração do seu papel catalisador”. Interessava-se, pois, e muito, pelo assunto. E tratava-o nos seus mais variados aspectos –  quer factuais, com os personagens e ocorrências do Parlamento do Império, quer doutrinários, no que demonstrava surpreendente conhecimento de causa, levando em conta que nunca frequentara nenhuma escola superior – e tanto nacional, quanto (e diria principalmente) no complexíssimo cenário internacional. O fato de Machado não ser, propriamente, militante político, não quer dizer que não tivesse sua crença, sua ideologia, seu “projeto nacional”. Tinha-os e deixou-os claros!!

Era, por exemplo, liberal convicto, com idéias bastante avançadas para o tempo em que viveu, todavia, sem jamais perder o senso crítico que expressava, todavia, com elegância e graça, não raro com ironia, quando cabível. Foi defensor da República, sem nunca esconder, porém, seu respeito e estima pelo imperador Dom Pedro II. Todavia, embora fosse um dos assuntos de que mais tratou, jornalística e literariamente, não se pode afirmar que a política tenha sido, mesmo que remotamente, sua paixão. Tinha, por sinal, certa repulsa por ela, notadamente por vários vícios e distorções dos políticos brasileiros (principalmente a corrupção, comportamento vicioso que nunca deixou de permear a vida brasileira). Mostrava-se, até, cético quanto á eficácia das ações políticas, embora admitindo sua necessidade.

Marcos Vilaça lembra, citando, na sequência, o saudoso crítico literário e historiador Brito Broca: “Brito Broca chama a atenção para o fato de Brás Cubas ter sido deputado. E diz: ‘Se temos, pois, em Brás Cubas, uma sublimação do secreto ideal político de Machado de Assis, teremos no sentido satírico desse episódio o reverso do mesmo ideal. No discurso do herói, Machado, segundo o seu método de compensação psicológica, destrói a possível inveja que lhe causariam aqueles que subiam, um dia, os degraus da tribuna parlamentar. O Brás Cubas da barretina reflete toda a descrença e toda a malícia de um Machado de Assis deputado’".

E o articulista acrescenta, na sequência:  “O desfile de perfis políticos está mesmo nas crônicas de ‘A Semana’, entre elas o texto clássico ‘O Velho Senado’, mas há nos romances políticos como Lobo Neves, supersticioso e fátuo; Camacho, cabo eleitoral típico; Teófilo, ansioso por se tornar ministro; Brotero, o das aventuras amorosas e não podemos esquecer o brasileiro Tristão, a naturalizar-se português para se eleger deputado por lá. Também o deputado Clodovil a viajar pela Europa. O entorno de amigos de Machado estava farto de políticos: Alencar, Francisco Otaviano, Bocaiúva, Joaquim Serra e o maior deles: Joaquim Nabuco”.

Pincei, um tanto quanto a esmo, na obra machadiana, algumas opiniões dele sobre o tema. O escritor manifestou, por exemplo, inegável simpatia pela classe trabalhadora (numa época em que pensar dessa forma era até heresia, quando não subversão), ao escrever, na crônica “O espelho” (publicada na “Gazeta de Notícias” em 11 de setembro de 1859: “Graças a Deus, se há alguma coisa a esperar é das inteligências proletárias, das classes ínfimas; das superiores, não”.

A respeito das liberdades dos cidadãos expressou, em outro artigo: “Aqui vai agora como eu separo as liberdades teóricas das liberdades práticas. A liberdade pode ser comparada às calças que usamos. Virtualmente existe em cada corte de casimira um par de calças, se o compramos, as calças são nossas. Mas é mister talhá-las, alinhavá-las, prová-las, cosê-las, e passá-las a ferro, antes de se vestir. Ainda assim há tais que podem sair mais estreitas do que a moda e a graça requerem. Daí esse paralelismo da liberdade do voto e da limitação dos criados e das bestas. É a liberdade alinhavada. Não se viola nenhum direito; trabalha-se na oficina. Prontas as calças, é só vesti-las e ir passear”.

Ao expressar sua opinião sobre o então super-polêmico tema do voto feminino, direito que seria facultado às mulheres brasileiras somente em 1932, Machado de Assis aproveitou para fazer, até, certa graça (perfeitamente cabível no caso). Escreveu, em “Histórias de 15 dias” (texto publicado, pasmem, em 1º de abril de 1877): "Venha, venha o voto feminino; eu o desejo, não somente porque é idéia de publicistas notáveis, mas porque é um elemento estético nas eleições, onde não há estética".

Mas não foi só. Por exemplo, sobre a resistência que então havia em relação às reformas (tema que permeia a vida política brasileira desde a independência e que nunca saiu das manchetes da imprensa até os dias de hoje), Machado de Assis explicou por que, no seu entender, isso ocorria (explicação que cabe como uma luva na atualidade). Escreveu, na coluna “Notas semanais” do jornal “Gazeta de Notícias”, na edição de 7 de julho de 1878: “Nenhuma reforma se faz útil e definitiva sem padecer, primeiro, as resistências da tradição, a coligação da rotina, da preguiça e da incapacidade. É o batismo das boas idéias; é ao mesmo tempo seu purgatório”.

Opinou, ainda, a propósito de “soberania nacional”, tema bastante em voga na sua época, em decorrência de vários e vários movimentes separatistas que pipocavam, de Norte a Sul, pelo vasto território brasileiro. Foi um “milagre”, convenhamos, o fato do País conservar sua coesão, sua unidade territorial. E o perigo da desagregação, por sinal, persiste. Ainda hoje há focos secessionistas, aqui e ali, mesmo que inexpressivos e até ridículos, ditados, sobretudo, pelo preconceito social de determinadas esferas de nossa ainda pífia e atrasada elite social. Machado de Assis escreveu a respeito na coluna “História de quinze dias”, publicada na “Gazeta de Notícias” de 15 de outubro de 1875: “A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a condição de ser soberania e de ser nacional. Se não tiver essas duas coisas, deixa de ser o que é para ser uma coisa semelhante aos Três Sultões, de Wagner”. Essa referência é à ópera do mesmo nome do gênio alemão da música clássica, cada qual entendendo o conceito de soberania de acordo com seus interesses pessoais.

Finalmente, é oportuníssimo este alerta que Machado de Assis fez, no romance “Quincas Borba”, aos políticos do seu tempo, que serve a caráter para nossos governantes de hoje das várias esferas de poder e aos parlamentares dos parlamentos municipais, estaduais e federais: "Ouça-me este conselho: em política, não se perdoa nem se esquece nada". Ao que eu aduziria: e não se pode e nem se deve perdoar ou esquecer jamais!!!!

Boa leitura.


O Editor.

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