sábado, 21 de março de 2015

Outono


* Por Solange Sólon Borges

Caem as folhas secas no chão irregularmente,/
Mas o fato é que sempre é outono no outono,/
E o inverno vem depois fatalmente...

Fernando Pessoa


As flores vestem cores enganosas. Somente com a luz clara do verão ou da primavera é possível vê-las na totalidade. O que o outono me consente? O branco do fim da tarde avisa sobre o vazio próximo, o inverno, e ele chega de vez, como se diante das intermitências das nuvens todo um universo alicerçado em detalhes pudesse ruir. O branco interior reflete minhas memórias encobertas por pátina, tempos que subsistem em mim, teias ocultas, alma suspensa nesse suave retiro. No inverno não sei dizer nada; no outono ainda sussurro.

Passeio nas últimas horas do dia para ver a noite surgir com seus arminhos feéricos. Azulmente. Há uma plumagem aérea que purifica uma ou outra palavra, e me desenrolo em versos, que enfeitam os cantos desdobrados do meu quarto.

É minha estação de quietude, de teias de aranha no alto do sonhos, quando aparo arestas íntimas, na estagnação lenta dos hábitos que terá seu ápice em dias estranhamente frios. Embarco em mim, em interiores onde nada se macula. Um Sol tímido arde nas janelas reverberando as chamas tênues do fogo e essa suavidade me preenche com promessas.

Meu amado soluciona com habilidade problemas matemáticos, mas não há como me alcançar com álgebras. Então, segura minhas mãos pequenas para que eu tenha a certeza dos poentes e das portas abertas. Não sou náufraga e faço uma amável viagem. Estou bem, informo, é só o rito de passagem para que o que é voraz se aquiete e o que é excessivo silêncio se nomeie. Quando sair dessa época de sombras irregulares serei esplendente, nascente entre sóis invisíveis, amor ressuscitado, intervalo de sedas...

* Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.

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