domingo, 15 de março de 2015

No tabuleiro de xadrez


* Por Silvio Lancellotti


Jogava um Xadrez bem acima do nível dos seus colegas de redação. Fora, diversas vezes, o campeão universitário de seu Estado, fora medalha de bronze num torneio nacional. Assim, quando o seu editor o mandou à cidade de Petrópolis, para reportar o certame Interzonal que classificaria os eventuais desafiantes do magistral Bobby Fischer, não hesitou: levou o seu tabuleiro portátil. Certamente, em horas vagas, encontraria tempo para disputar algumas pugnas com outros jornalistas incumbidos, também, da cobertura do evento.

Muitos dos seus adversários eram ex-profissionais das 32 peças – e as suas chances de vitória se limitaram aos momentos em que, além de atentarem aos movimentos, bebericavam lautas doses de álcool pesado. Chegou a bater dois ou três, distraídos porque bebaços. Decidiu que não introduziria aqueles sucessos no seu currículo. Então, no Interzonal, começou a brilhar o talento de um jovem Grande Mestre do País – incrível, ficaria entre os três qualificados.

Seu editor lhe enviou o recado urgente: consiga, imediatamente, uma entrevista exclusiva com o moleque. Embora um misógino isolacionista, particularmente controvertido, de personalidade complexa, como os gênios em geral, o rapaz se envaideceu com a oportunidade de se tornar o assunto de capa de uma revista de enorme tiragem. Passou a dedicar todo o seu tempo livre às conversas com o enviado da publicação. Até que, um dia, enquanto ambos almoçavam juntos, aceitou o seu convite para um duelo no tabuleiro.

Aconteceu nos jardins do hotel em que todos se alojavam. O Grande Mestre permitiu que o enviado começasse o prélio, a vantagem de atuar com as brancas e de realizar o primeiro lance, a definição estratégica que define a imensa maioria dos embates da modalidade. Tentativamente malandro, o enviado optou pela Abertura Inglesa, especialidade de Viktor Korchnoi, um inimigo a quem o jovem odiava. Perdeu em 35 movimentos, orgulhoso por ter resistido tanto tempo a um Grande Mestre. Enfim, ao baixar o Rei, se sentiu compelido a ampliar a sua satisfação e perguntou ao Grande Mestre em que instante percebera que o derrotaria. A resposta sibilou, humilhante, e feroz: “Assim que nós dois nos sentamos à mesa”.

* Diplomou-se em Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.

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