quinta-feira, 26 de março de 2015

Descarte programado

* Por Marcelo Sguassábia

"Espanhol cria lâmpada que não queima e sofre ameaça de morte

É possível fazer produtos que durem a vida toda? Benito Muros, da SOP (Sem Obsolescência Programada), diz que é possível. Por isso está ameaçado de morte. O conceito de obsolescência programada surgiu entre 1920 e 1930 com a intenção de criar um novo modelo de mercado, que visava a fabricação de produtos com curta durabilidade de maneira premeditada, obrigando os consumidores a adquirir novos produtos de forma acelerada e sem uma necessidade real. A lâmpada criada por Benito tem durabilidade prevista de mais de 100 anos". (Fonte: mundogump.com.br)

Materiais baratos e de baixa qualidade irão produzir lâmpadas que duram muito menos que as mil e cem horas previstas para os modelos incandescentes.

Lâmpadas que equiparão faróis de eficácia duvidosa em carros projetados para sofrerem pane, amassarem fácil, enferrujarem logo  e moverem a tentacular engrenagem dos serviços de reparo e de reposição.

Carros inseguros dirigidos por motoristas que no trânsito pilotam telefones celulares com baterias programadas para deixá-los na mão quando mais precisarem.

Baterias que eles nunca irão trocar, pois valerá infinitamente mais a pena substituir os celulares ao invés delas.

Capas protetoras de celular feitas de silicone rigorosamente testado para ressecar e rachar em um mês e meio, quando muito.

Com capa de silicone e tudo, cada aparelho jogado fora irá fomentar uma cadeia de centenas de fornecedores que continuarão abastecendo fábricas prontas a produzir celulares mais modernos, mais rápidos, mais leves e mais propensos a sucatearem o quanto antes.

Sucata que, reciclada, voltará à ciranda do consumo na forma de outros bens mal produzidos, embalados em plástico-bolha cujas bolhas são mais frágeis que bolinhas de sabão.

Sabão que fará a roupa desbotar irremediavelmente após a terceira lavada, e a tinta solta na máquina manchará outras roupas que também serão perdidas e virarão panos de prato.

Panos que enxugarão louças da loja de um e noventa e nove, lascadas precocemente e trincadas pelo calor do microondas comprado ontem via web.

Microondas que ontem mesmo foi reembalado no plástico-bolha que nada protege e levado às pressas para a assistência técnica, porque apresentou defeito no seletor digital.

Digitais que não serão reconhecidas pelo leitor biométrico do caixa eletrônico, ensebado pela gordura deixada por milhares de dedos de milhares de pessoas que buscam milhares de notas para pagarem as milhares de prestações pela compra de milhares de inutilidades.

Pessoas que precisam ter sua expectativa de vida reduzida de maneira drástica, já que a alta longevidade elevará perigosamente os índices demográficos, congestionará os hospitais e comprometerá o sistema previdenciário, que não terá como arcar com uma sobrevida maior que a prevista pelo Ministério da Saúde.

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).


Um comentário:

  1. Um tapa na cara do consumismo obrigatório, como também do não obrigatório. Boas falas, entre curiosas e engraçadas, Marcelo.

    ResponderExcluir