domingo, 29 de março de 2015

Busca de ideais



* Por Pedro J. Bondaczuk


O homem não pode viver – no sentido mais amplo do termo, ou seja, o de ter uma vida "civilizada", com qualidade – se não tiver um ideal, por mais absurdo que este seja. Precisa de motivação, seja ela qual for – a imposição de uma fé, a obtenção de riquezas, a satisfação da carne, a conquista do poder ou o reconhecimento intelectual, não importa –  para que possa se empenhar, agir, fazer, ser. No confronto com a realidade, muitas vezes somos lançados em crises existenciais agudas ou crônicas, que podem durar uma hora, um dia, um mês, um ano ou mesmo até a hora da nossa morte, que não sabemos (felizmente) qual é. Compete-nos reagir contra a tentação de manter o tempo todo os pés no chão.

Precisamos da fantasia para sobreviver enquanto seres pensantes. Aquela que é a matéria-prima das artes e a consoladora mor dos homens. Ninguém resiste à realidade absoluta. É como olhar diretamente para o Sol. Ela nos cega e até nos mata. Há um poema de Raul Leoni que não me canso de citar em minhas crônicas, que diz, em determinado trecho: "O homem desperta e sai, cada alvorada,/para o acaso das coisas...E, à saída, /leva uma crença vaga, indefinida,/de achar o Ideal em alguma encruzilhada..." Alguns conseguem e abraçam-no ferozmente, para que não mais escape. Outros prosseguem nessa busca incansável, dia após dia, ano após ano, em vão. Mas a simples procura já lhes preenche a vida.

Há os que teimam em se ater ao real, ao concreto, ao absurdo que é esta existência, cujo objetivo verdadeiro ninguém conhece com certeza. São uns infelizes. São amargos, maldosos, mesquinhos. São dignos de dó. Para o quê o homem nasce? Para purgar hipotéticos pecados que, ademais, não pode ter cometido no ventre da mãe? Para através do sofrimento adquirir o direito a uma "vida eterna", alhures, em algum lugar do espaço, chamado, de forma vaga e indefinida, de "céu"? Para simplesmente existir, sem qualquer razão superior? Pode ser que sim...pode ser que não...

Certeza mesmo ninguém tem de coisa alguma. Precisamos sonhar para dar algum sentido a isto que aí está. Temos que "criar" a nobreza de uma suposta finalidade para a nossa vinda ao mundo. E isso tem que ser feito, principalmente, se não houver alguma e se não passarmos de frutos do acaso. Se não formos mais do que um, em milhões de espermatozóides, que venceu a corrida para fecundar um, dos múltiplos óvulos, e desta forma ganharmos o prêmio (ou castigo?) de existir.

A arte é o caminho para a conquista dessa grandeza. E esta nunca se faz com os pés no chão. Fernando Pessoa tem um texto extraordinário a esse propósito. Diz o escritor dos heterônimos: "Os realistas realizam pequenas coisas, os românticos, grandes. Um homem deve ser realista para ser gerente de uma fábrica de tachas. Para gerir o mundo deve ser romântico. É preciso ser realista para descobrir a realidade; é preciso ser romântico para criá-la".

Se a vida não tem qualquer sentido, nos compete lhe darmos algum. Se a religião não passa de mera projeção dos desejos humanos, assumamos a ilusão de que há algum tipo de Paraíso, de sobrevivência eterna, para o que convencionamos chamar de alma. Se a morte é definitiva, façamos tudo o que pudermos para preservar pelo menos nosso nome na memória das gerações vindouras, para que não desapareçam todos os vestígios da nossa em geral sofrida existência. É nosso papel darmos um sentido –  se de fato não houver algum –  à vida.

Sinto que os artistas do meu tempo estão perdendo a rota. Competem, por exemplo, com o jornalista, no afã de recriar a realidade através da sua ficção. Mesmo a poesia, que é sentimento, alma e emoção, se torna "concreta", feita de tijolo, cimento e asfalto. Agora é crua, amarga e dolorida. Não mais atinge a sensibilidade. Atém-se, simplesmente, à razão. Os poetas estão fazendo concessões à realidade. Com isso perdem a graça, o charme e o encanto. Trocam as asas do condor pelas inúteis patas dos répteis.

Mas Fernando Pessoa nos ensina: "A poesia encontra-se em todas as coisas – na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade – é evidente para mim, aqui, enquanto estou sentado. Há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue (...) É que poesia é espanto, admiração, como de um ser tombado dos céus, a tomar plena consciência de sua queda, atônito, diante das coisas. Como de alguém que conhecesse a alma das coisas, e lutasse para recordar esse conhecimento, lembrando-se de que não era assim que as conhecia, não sob aquelas formas e aquelas condições, mas de nada mais se recordando". Poesia é o meu ideal. É aquele que procuro encontrar, a cada manhã, em "alguma encruzilhada". A arte o é...O sonho o é...A fantasia o é...E o ópio da ilusão também...


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 



Um comentário:

  1. Remodelada, volta sua preocupação sobre dar um sentido à vida. Eu não consegui nem ser gerente de uma fábrica de tachas. Fiz tudo errado.

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