terça-feira, 17 de março de 2015

Andrômeda


* Por Eduardo Oliveira Freire


Desde menino já me percebia diferente. Os outros garotos implicavam comigo, alguns homens me olhavam esquisito. Além de eu não gostar disso, meus pais começaram a achar a minha beleza uma maldição. Deixavam-me careca, compravam roupas sóbrias e me colocaram nas aulas de futebol. Não adiantou. À medida que crescia, aumentava o fascínio ou repulsa que as pessoas tinham por mim.

Nesta época, começou a passar na televisão um desenho sobre guerreiros que protegiam uma deusa contra as forças do mal. Havia um personagem com o qual me identifiquei; sua constelação era Andrômeda, que antes havia sido uma princesa mitológica, acorrentada a um rochedo para ser devorada por uma besta que vivia no fundo do mar. A personalidade do guerreiro se assemelhava com o mito da formação de sua constelação protetora: era bondoso e estava sempre disposto a se sacrificar para salvar o mundo. Ele usava correntes que reproduziam a nebulosidade da constelação de Andrômeda e as utilizava só para se defender e lutar contra os vilões. A armadura que vestia era rosada e o molde lembrava um corpo feminino. Já os outros meninos da minha idade queriam ser os guerreiros com mais força de combate.

As pessoas me cobravam um posicionamento do que eu era. Não entedia a razão da cobrança. A pergunta frequente era se gostava de homem ou de mulher. Eu não sabia responder, nunca pensei nestes assuntos. Estava às voltas com minha imaginação, escrevendo e desenhando reinos de criaturas fantásticas. Eu chorava com cada criação de uma personagem e me apaixonava por elas, não por suas formas físicas, mas pela essência. Uma vez me disseram que eu era uma aparição. Talvez, estivessem corretos.

Outro dia, meus pais me contaram que a noite em que me fizeram estava muito estranha. Quando transavam, ele se sentia ela e ela se sentia ele. Nunca sentiram um prazer tão intenso. Minha mãe deixou escapar que deve ser coisa do demo. Eu disse que não, posso ser uma quimera.

Com o passar do tempo, fui me tornando alheio a tudo e a todos. Passava horas visitando os meus reinos de princesas, unicórnios, guerreiros, sereias e gigantes. De vez em quando, sentia que mãos alisavam minha pele e comentavam que estava cada vez mais sensível como uma pétala. Eu nem ligava, continuava na minha travessia.

Um dia, de repente, me vi preso numa caixa escura. Senti uma pontada de medo. Aí abriu-se na escuridão uma fenda para o universo. Emocionado, vi que era a nebulosa de Andrômeda e ao longe ouvi o barulho da corrente do cavaleiro de Andrômeda, salvando-me. Fiquei transbordando de felicidade. Posso viajar pelo universo e visitar sem pressa meus reinos encantados através das correntes do cavaleiro de Andrômeda.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/



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