sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Stanislaw Ponte Preta, humorista contra a ditadura


* Por Urariano Mota


Os resumos biográficos falam que Stanislaw Ponte Preta é pseudônimo de Sérgio Porto, quando seria mais próprio usar a palavra heterônimo, o nome, a pessoa que um escritor cria para obras de estilo, tendência e características diversas das suas. Sob a pele do heterônimo Stanislaw Ponte Preta, Sérgio Marcus Rangel Porto cresceu para a fama, com uma graça e gozação imprevistas na postura grave do cronista Sérgio Porto.

Os registros falam também que ele foi radialista e compositor brasileiro, nascido em 11 de janeiro de 1923, falecido de infarte no dia 30 de setembro de 1968.

Importa mais dizer que Sérgio Porto, na pessoa de Stanislaw, foi escritor e jornalista único pelo humor com que desmontava pela sátira, deboche, piadas e ridículo os policiais, militares golpistas e reacionários em geral da última ditadura brasileira. Como aqui:

“Quando aquele cavalheiro nervoso entrou no hospital dizendo ‘eu sou coronel, eu sou coronel’, o médico tirou o estetoscópio do ouvido e quis saber: ‘Fora esse, de que outro mal o senhor se queixa?’ ".

Como Stanislaw, a sua maior invenção foi o Festival de Besteira que Assola o País, o Febeapá, que fez um ataque arrasador contra as forças de direita no Brasil. Como nestes mísseis:
“Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica ‘Electra’, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 A.C...”

Quando a Censura Federal proibiu em Brasília a encenação da peça Um Bonde Chamado Desejo, a atriz Maria Fernanda foi procurar o Deputado Ernani Sátiro para que o mesmo agisse em defesa da classe teatral. Lá pelas tantas, a atriz deu um grito de ‘viva a Democracia’. O senhor Ernani Sátiro na mesma hora retrucou: ‘Insulto eu não tolero’ ".

E notem que coisa mais bonita: na sua maior invenção, Stanislaw Ponte Preta recortava dos jornais as notícias que ele, de modo livre e satírico, comentava em novo texto. Isso é mais uma lição de literatura. A maioria dos grandes “criadores” não sabe, por exemplo, que o gênio de Ibsen pegava notícias de jornais para as suas tragédias e dramas. Mas Stanislaw era mais imediato, porque, como jornalista, trabalhava em regime de urgência. E não parava nem nos momentos de lazer, pelas manhãs em Copacabana ou em Ipanema. Segundo Millôr Fernandes, “ele continuava recortando, no violento sol da praia, pedaços dos jornais que lia sem parar, aproveitando o tempo”.

Mais adiante, apareceriam em jornais até antes de dezembro de 1968, no tempo anterior à ditadura absoluta que veio com o AI_5:

“A peça ‘Liberdade, Liberdade’ estreou em Belo Horizonte e a Censura cortou apenas a palavra prostituta, substituindo-a pela expressão: ‘Mulher de vida fácil’, o que, na atual conjuntura, nos parece um tanto difícil. Ninguém mais tá levando vida fácil...”

“Em Campos (RJ) ocorreu um fato espantoso: a Associação Comercial da cidade organizou um júri simbólico de Adolph Hitler, sob o patrocínio do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito. Ao final do julgamento, Hitler foi absolvido”.

“A minissaia foi lançada no Rio e execrada em Belo Horizonte, onde o Delegado de Costumes (inclusive costumes femininos), declarou aos jornais que prenderia o costureiro francês Pierre Cardin, caso aparecesse na capital mineira ‘para dar espetáculos obscenos, com seus vestidos decotados e saias curtas’. E acrescentou furioso: ‘A tradição de moral e pudor dos mineiros será preservada sempre’. Toda essa cocorocada influenciou um deputado estadual de lá - Lourival Pereira da Silva - que fez um discurso na Câmara sobre o tema ‘Ninguém levantará a saia da Mulher Mineira’",

Esse era, é o grande Stanislaw Ponte Preta. Ele fica. Mas o seu criador e criado, depois de sobreviver a uma tentativa de envenenamento, foi liquidado no coração em setembro de 1968. Tinha só 45 anos de idade, aos três meses antes do AI-5.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.


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