quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Pra que rimar amor e dor?


A dupla de compositores Monsueto Menezes e Arnaldo Passos compôs, em 1955, uma canção popular de muito sucesso na época e que encerra preciosa lição de vida. Seu título é “Mora na filosofia” e a letra diz, em certo trecho:

“Mora, na Filosofia,
Prá que rimar amor e dor?”.

Sim, pra que?! Por que associar uma das potencialmente maiores fontes de prazer (físico, psicológico e emocional) ao sofrimento? Considero essa associação não apenas inadequada como o máximo dos máximos, o suprassumo da insensatez, posto que raros de nós deixamos de agir assim. Por que? Pela estranha mania de complicar coisas que são tão simples!

A dor e o prazer, presumo, foram as primeiras lições de vida aprendidas por nossos mais remotos ancestrais, tão logo tomaram consciência de si e de onde estavam. Aprenderam a evitar a primeira dessas sensações físicas desagradáveis, talvez após reiterações, não repetindo mais, a partir de determinado momento, as ações que as causaram e buscando repetir o que lhes ensejava sentir o que era prazeroso. Aliás, esse ainda é, hoje, um aprendizado primitivo, na mais tenra idade. Quando bebês que mal começamos a engatinhar, nem sempre obedecemos às ordens dos adultos para não nos expormos a riscos. Para não mexermos em tal coisa – por o dedo numa tomada, por exemplo – ou não subir num lugar de onde possamos cair e nos ferir. Todavia, só após levarmos um choque ou irmos parar no chão e batermos a cabeça, ou outra parte qualquer do corpo, e nos contundirmos, mesmo que superficialmente, “talvez” aprendamos a evitar tais riscos. Sim, talvez. Nem todos aprendem. Mas...  

Aqui refiro-me, especificamente, à dor e ao prazer físicos, não aos psicológicos e/ou emocionais, que são muito mais complexos e não raro mais duradouros.Salvo se tivermos algum desvio mental ou comportamental (se formos “masoquistas”, por exemplo), detestamos sofrer, quer esse sofrimento seja de caráter orgânico, quer de outra natureza qualquer. Todavia, dada nossa fragilidade, ele é inevitável. Alguns sofrem mais (por razões específicas à sua realidade de vida e às circunstâncias que têm que enfrentar), e outros menos. Mas todos, algum dia, por alguma razão, sofremos alguma dor, frustração ou desgosto. É inevitável. Ninguém está livre dessas aflições.

A dor, todavia, é um mecanismo de alarme, um aviso do sistema nervoso de que algo em nosso corpo se desarranjou e não está funcionando adequadamente. Por isso, o sensato e correto é, em vez de só tratá-la especificamente, detectar e corrigir o que a motivou. Há medicamentos para atenuá-la, mas se a causa não for eliminada, esse alívio terá curta duração e ela, certamente, voltará. Os médicos, óbvio, sabem disso de sobejo e atuam nas duas frentes: na do alívio dessa desagadabilíssima sensação e na eliminação do que a esteja causando.

Tal como a dor, o prazer tem graduações. Vai da mais simples e corriqueira sensação agradável, ao ápice, ao êxtase, que envolve, além do corpo, componentes emocionais e psicológicas. É a suprema alegria, posto que rara. Não advém, como supõem alguns pseudomísticos (na verdade masoquistas), da mortificação da carne, do sacrifício, das privações ou da angústia. Tudo isso apenas causa dor, que é exatamente o oposto do prazer.

O êxtase não é encontrado no mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora exista um produto com este nome que promete irresponsavelmente conduzir seus insensatos usuários ao "paraíso". Não os conduz. Lança-os, de fato, no “inferno” de onde dificilmente conseguirão escapar. Dinheiro algum é suficiente para comprar essa enorme e absoluta felicidade. O êxtase é a culminância de pequenas satisfações, quase nunca valorizadas, que temos no dia-a-dia e que se somam até se transformarem em algo grandioso e inesquecível. Uma das maneiras de atingi-lo é através do amor.

Todavia, há que se ponderar que há várias formas de amar. E que nenhuma tem maior grandeza e transcendência do que a que envolve coração, corpo e alma, simultaneamente. Creiam-me, isso é raro, raríssimo e por uma série de razões (que não cabe, aqui, identificar). O êxtase advindo  dessa forma absoluta de amor (que pressupõe, implicitamente, plena correspondência) é, no meu modo de ver, o maior privilégio que possamos ter. O amor platônico é bom, mas produz, apenas, êxtase psíquico, sem efeito duradouro. O carnal é delicioso, mas satisfaz só o físico e, via de regra, se extingue após a satisfação do instinto animal. Mas o amor total, sem reservas ou restrições, ah! esse é um delírio!

Só é possível, porém, de ser entendido por quem tem (ou teve) a ventura de senti-lo com a devida correspondência. É o êxtase dos êxtases, mesmo que de curta duração. Ainda quando acaba, permanece vivo e intenso na lembrança e é inesquecível, por se tratar do momento mais marcante de um homem e de uma mulher. Edgar Morin nos lembra um fato óbvio, do qual nem sempre nos damos conta: “O amor (certamente o que envolve coração, corpo e alma) dá-nos o êxtase psíquico, e dá-nos o êxtase físico”. É, portanto, completo.

Há, porém, outros tantos tipos de prazer que, mesmo não sendo tão superlativos, são desejáveis e muito procurados. O que realmente vale a pena na vida é simples, gratuito e sequer exige grande esforço. Requer apenas predisposição favorável e sentidos alertas. Está na natureza, da qual fazemos parte e quase nunca nos damos conta. Existe para o nosso usufruto. É um bem inesgotável e universal. Nas pequenas coisas é que reside a satisfação maior. Somos os arquitetos da maioria dos nossos próprios sustos. Mas também o somos da felicidade, que reside em pequenos momentos que raramente sabemos identificar e valorizar.

Agimos, em geral, sem pensar em profundidade em nossos atos e suas conseqüências. Não pensamos de maneira unitária. Nossas idéias são dispersas, vagas, contraditórias. Temos que unificá-las... Mesmo que a "marteladas", como sugeriu o poeta inglês William Butler Yeats. Os verdadeiros prazeres, os que justificam toda uma existência, são, reitero, simples e gratuitos. Estão ao alcance de qualquer um que os queira usufruir. No entanto, complicamos tanto a nossa vida! No entanto, nos afligimos por tão pouco! No entanto, tentamos, na maior parte do nosso tempo, agarrar sombras! Não agimos assim, é evidente, por masoquismo, por eventual satisfação em sofrer ou por maldade. Mas, cá para nós: “Prá que rimar amor e dor?”!!!!


Boa leitura.


O Editor.

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