sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O fim é uma certeza


*Por Samuel C. da Costa


"No silêncio da madrugada, minha alma se propõe,
...ao bem, ou ao errado? Não sei.
Quem poderá me julgar?
No silêncio da madrugada,
É que minha mente é livre,
Para atacar ou recuar,
E quem virá me julgar?
Se a sabedoria viesse no silêncio,
Da madrugada,
Que bom seria, pois ali eu estaria. ’’
José Luis Grando


Os passageiros dividiam o espaço do vagão, com correspondências e mercadorias advindas da cidade portuária. O trem estava a caminho do litoral para o interior. Os poucos passageiros, na maioria, eram de trabalhadores pobres e maltrapilhos, estavam inertes em seus mundos particulares. O silêncio ali imperava, reinava absoluto, em todos os sentidos, até o barulho da locomotiva parecia querer ficar lá fora. Sentada em um banco de madeira uma menina vestida, com um modesto e surrado vestido de chita floral rosa e incrivelmente limpo, laço surrado amarelo na cabeça e os pés estavam desnudos. Ela parecia estar em estado catatônico, e um menino, com poucos mais um ano, enrolado em uma manta marrom, estava sentado no colo da menina, o pequeno dormia complacentemente o melhor dos sonos. De repente ele acorda e sorriu para os homens sentados, a poucos metros, na frente de ambos. Os três homens vestiam ternos pretos bem alinhados e feitos sobre medida, gravatas vermelha, sapatos engraxados, unhas feitas, cabelos bem cortados, dentes bem tratados e barbas feitas. Destoavam, em muito, dos restantes dos passageiros vestidos modestamente. A menina, que aparentemente, estava perdida em seu mundo particular, a olhar para o vazio, até virar a cabeça de forma mecânica e olhar para os três homens bem alinhados. A menina viu as roupas dos três homens, outrora bem vestidos, cobertas de sangue, os sapatos cobertos de lama, exalavam um odor putrefato de cadáver dos três e os olhos deles estavam injetados e inchados. O homem maior então fez menção de pegar o menino que estava no colo da menina.
─ Não põe as tuas mãos suja nele seu animal imundo! ─ gritou a menina, em plenos pulmões, a voz dela soou gutural e ecoou na mente dele de tal forma que o deixou tonto. O demais passageiros pareciam nem se importar com o fato
─ Calma menina, eu só queria fazer graça, com o teu irmão! Não posso? ─ Armênio Vieira Souto se impressionou quando viu os olhos da menina, tinham um brilho estranho, pareciam sem vida, pareciam de uma pessoa morta.
─ Se tentar pôr as mãos nele de novo, eu te mato! Sua pestilência assassina, pústula maldita e infernal!

Os outros passageiros, não estavam entendo nada do que acontecia. Armênio fez menção de chorar naquela hora extrema.
─ O que acontece contigo? O que foi irmão?
─ O que foi chefe? O senhor está bem?
─ Nada seus idiotas, me deixem em paz! Estamos chegando à estação, afinal de contas? Falta muito ainda, pra gente chegar?
─ Estamos chegando chefe!        
─ Bom! Estou farto dessa gente preta ordinária! Queria mesmo, é ‘’ter pegar’’ o vapor.
─ ‘’Tas’’ tolo seu ‘’abobado’’, ‘’tas’’ falando do que afinal, meu irmão? ─ O irmão mais novo de Armênio, nunca viu o irmão em tal estado, tão fragilizado. Ele sempre fora tão forte.            
─ Ora! Ter que dividir o vagão, com esta gente preta e ordinária! Laudelino meu irmão só não aguento mais é só isto! Da próxima vez, pegamos o vapor.
─ Que gente preta irmão? Não tem preto algum com a gente! Tás falando do que? ─ Os demais passageiros, que até então estava em seus mundos particulares, de voltam para acompanhar a cena que se desenrolavam. 

Ao chegarem à estação, os três homens enfim se encaravam, era hora do derradeiro fim daquela parceria. Armênio estava em alerta total, estava entranhando as poucas pessoas na estação naquela hora do dia. E viu um solitário policial militar negro bem alinhado, alto e corpulento, ele estava armado com uma Mauser 98K, versão “sniper” pendurado no ombro esquerdo. O soldado estava conversando com um teuto pequeno que usava roupas surradas, óculos de aros de tartaruga, ele segurava um caderno de notas e lhe fazia anotações rápidas, na visão Armênio, aquele homem era um jornalista. O soldado encara Armênio nos olhos de forma rápida, ele sente a mesma sensação de quando olhou para a menina no trem. O negro sorri e volta a conversar com o jornalista como se nada houvesse acontecido.  
─ Norberto as nossas coisas chegam ainda hoje. O vapor chega ao fim do dia. Nossa pareceria acaba ai e agora. Boa sorte pra tu! E espero mesmo que respeite o doutor Gustav Blumenthal e fique longe do litoral, por um bom tempo. O serviço foi o último, não tem mais nada para nós por lá.
─ Mas chefe?
─ Acabou Norberto! E não me olha com essa cara de burro quando foge!
─ O que faço da minha vida agora? O que faço Armando? ─ Norberto se virou para o outro irmão pedindo ajuda.
─ Te vira homem! E adeus! ─ retrucou Armando com certo pesar na voz. Então os dois irmãos pegaram um carro de mola e desapareceu rua abaixo. Norberto pegou o táxi com destino incerto.


* Poeta de Itajaí/SC

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