segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Náusea


* Por Assionara Souza


Coça o pescoço. Cabelos e unhas longos. Precisa cortar. Deve até ter arranhado a pele, vai ver. Mas o sinal não abre. O sinal está vermelho ainda.

Estaria arrependida? Sempre e por toda vida. Ontem, por exemplo, a lição de casa não foi feita. Há pessoas, disse o conselheiro, veja bem... Ela não gostava da expressão: "Veja bem...". Tudo falhava a começar daí.

Era uma mentira. Veja bem... sim, eu estou vendo que você é um cretino que não consegue formular uma frase original e colou em seu discurso aquelas particulazinhas que você considera — por via das dúvidas, veja bem...!

Ãh, o que você disse? Veja bem, há pessoas que demoram muito tempo pra aprender. Ele devia ser do tipo que usava esmalte. Passado delicadamente por aquela mocinha manicura sem estudo a quem só restou o exercício de concentração na arte do não borrar.

Ele gostava do cheiro do esmalte. E quase fechava os olhos num gozo brevíssimo sorvendo a tinta fresca nas unhas. A mocinha, achando que o motivo daquele prazer vinha de sua espetacular precisão estética, não deixava de corar as faces na medida em que escorria um fiozinho úmido entre suas pernas, bem ali no Caminho de Swan.

As pessoas são de uma ingenuidade tocante. Muda a estação do rádio. Duas marcas ferozes no pescoço.


* Escritora

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