sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Não mais partido


* Por Eduardo Oliveira Freire


Meu pai era um homem imponente e bem educado. Mas, sempre ouvi falar que quem o aperfeiçoou foi minha mãe, pois ele era de origem humilde. Seu passado era ofuscado pelos prêmios e condecorações que recebeu ao longo do tempo.

Um dia, papai adoeceu e uma senhora com vestimenta simples apareceu na nossa casa. Ela cuidou dele até o fim e o acalentava como se fosse um bebê, cantando cantigas de ninar. Minha mãe fazia vista grossa, amava-o o bastante para saber que isso fazia bem para ele. As duas desenvolveram uma cumplicidade que se aproximava de uma amizade. Quando papai morreu, abraçaram-se em silêncio. No velório, recordo-me da senhora passar a mão na minha cabeça e ir embora para sempre.

Anos se passaram e esta recordação persistia em mim. Perguntei para minha mãe quem era aquela senhora e ela me disse: “ sua avó”. Quis saber mais e ela me deu o endereço.

A senhora estava sentada na varanda e me recebeu contida. Perguntei por qual motivo nunca me disse que era minha avó e ela respondeu ser complicado responder. Ela e meu pai estavam brigados tanto tempo que ela não queria se machucar mais. Decidiu tentar ser indiferente, mas nunca conseguiu.

Mostrou-me fotos antigas de meu pai e o quarto em que ele dormia. Ela me chamou a atenção de como os olhos dele eram tristes e concordei. Até nas fotos de festas e premiações seu olhar era muito melancólico.

Então, começou a falar sobre ele. Disse que sempre desejou ir embora para ser bem sucedido. Colecionava revistas de viagens, de mansões e comentava que encontraria a felicidade nesses lugares. Um dia, desapareceu com o vento.

Minha mãe deu sua versão, que meu pai sentia-se incompleto, apesar das vitórias conquistadas. Escrevia cartas que nunca eram respondidas. Uma vez, minha mãe o viu escrever em seu bloco de notas “ banzo”, que significa um sentimento de nostalgia que os negros da África têm, quando estão ausentes do seu país; É um termo de origem africana. De certo jeito, sentia falta de sua origem, a mesma de que no passado sempre quis fugir.

Através dos relatos de minha avó e da minha mãe percebi como meu pai estava à deriva, porque talvez não conseguisse encontrar um lugar no mundo. Quando achou que saindo da casa materna, encontraria sua identidade, descobriu que não estava completo e faltava o que deixou para trás.

No leito de morte, papai estava tão tranquilo... Talvez, porque, finalmente, se percebeu completo e não mais partido.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/



Um comentário:

  1. Queremos nos soltar das raízes para sermos independentes e completos, mas a nossa fonte de energia é exatamente os nossos pais, nossas fontes de energia. Boa história, Eduardo, com características psicológicas bem profundas, o que enriquece a sua narrativa.

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