quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Milagre sem chance de repercussão

O que a vida quer é repercussão”. Essa é a constatação de Guilherme de Almeida, no primeiro verso do magnífico poema “Eco”. Aliás, “adjetivar” positivamente a produção deste que foi, justamente, eleito (em eleição popular) “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, é até redundante. Não conheço uma única de suas poesias – e olhem que tenho uma estante inteira da minha caótica biblioteca repleta de livros seus – a que se possa impor a mais leve restrição, quer nos temas que desenvolve, quer na forma de abordagem, quer e, sobretudo, na emoção que transmite e que nos contagia de imediato, sem que ao menos nos apercebamos. Entendo que, pelo que fez, e pelo que foi, Guilherme de Almeida mereceria maior atenção por parte da crítica, da mídia e dos leitores. Ou seja, merece contínua “repercussão”.

Parece-me que o poeta campineiro tinha uma espécie de obsessão por esse fenômeno acústico, por esse reverbero de sons, que em passado remoto intrigou nossos remotíssimos ancestrais. Tanto que sua festejada coluna de crônicas no “O Estado de São Paulo” – que manteve por décadas (tenho, em minha hemeroteca, centenas delas recortadas, ciosamente, do jornal) – tinha, justamente, o título de “Eco ao longo dos meus passos”. A vida nos impõe circunstâncias – ora benignas, ora ruins – que são desafios à nossa engenhosidade e capacidade de reação. Das complicadas, espera, de nós, que o “eco” seja a saída que possamos encontrar para os diversos impasses. Já das favoráveis, nos desafia a multiplicá-las, em várias repercussões, como ocorre com o som, quando emitido em local com vários obstáculos, ou seja, de acústica apropriada.       

Para que o leitor entenda bem o que me proponho a transmitir, nada é mais apropriado do que reproduzir o belo poema “Eco”, de Guilherme de Almeida, que diz:  

“O que a vida quer é repercussão.
Há paredões e cavernas,
há membranas e bojos,
há ocos e superfícies,
nos caminhos divergentes.
O grito salta da boca,
bate, volta e coincide.

Perguntas que fiz,
nomes que bradei,
segredos que disse,
versos e preces
que minha voz levou ---
tudo partiu e volveu
menos a única rima: ‘Eu’”.

Tudo o que emitimos – gritos, gemidos, sussurros, perguntas, nomes, segredos, versos e preces – retorna para nós, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde. A única exceção é a nossa essência, nossa alma, aquilo em que nos transformamos com o tempo. Ou seja, o nosso “Eu” original, desgastado pelos anos e finalmente aniquilado pela “niveladora dos homens”: a morte. Nesse aspecto, Manuel Bandeira foi mais explícito (posto que eu discorde de sua conclusão). Considera tudo, absolutamente tudo o que nos rodeia e nós próprios como um “grande milagre”. Até aí tudo bem. Faz a seguinte constatação no poema “Preparação para a morte”:

“A vida é um milagre.
Cada flor,
com sua forma, sua cor, seu aroma,
cada flor é um milagre;
cada pássaro,
com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
cada pássaro é um milagre.
O espaço infinito,
o espaço é um milagre.
O tempo infinito,
o tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
--- Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”.

Como observei, discordo dessa sombria conclusão. Não considero que a morte – mesmo admitindo outro tipo de vida, incorpóreo e incorruptível, posto que incomprovável, restrito, apenas, ao terreno da fé – seja qualquer espécie de “bênção”. Para mim, não é! É maldição! É o fim! É a extinção! É o que não se pode repercutir jamais, como a vida tanto exige, por se tratar de sua antítese.

Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. Também não a diria bendita, embora não morrer nunca não seja a solução.

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