segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Encontro com o Poeta


* Por Anamaria Kovacs


Em outro tempo e lugar, vivi um desses momentos fantásticos, inesquecíveis, que duram poucos minutos mas se eternizam no coração da gente. Trabalhava como repórter, no Jornal do Brasil, lá no meu Rio de Janeiro, ainda tranqüilo e alegre. O jornal funcionava, naquela época, na Avenida Rio Branco, no Centro da cidade, e eu entrava lá todos os dias, às 14 horas.

O edifício era antigo, os elevadores, lerdos. Sempre havia uma pequena fila à frente deles. O ascensorista já ia fechando a porta quando um senhor calvo, grandes óculos de míope, baixinho e magro, com uma pastinha preta debaixo do braço, deu uns passos maiores e entrou. Reconheci-o na hora. Era ele, um dos meus poetas mais queridos e admirados: Carlos Drummond de Andrade!

Não levantou os olhos do chão. Nós outros nos entreolhamos, mudos, não sei se por respeito, admiração, ou o quê. Procurei não olhar demais para ele, encerrado na sua timidez, sonhando talvez algum poema genial. Na verdade, para ele, a ida ao jornal era rotina, naqueles tempos pré-internet. Toda semana, o jornal publicava uma crônica de Drummond, assim como de Paulo Mendes Campos e outros escritores da época, e o poeta levava seu texto pessoalmente até a redação.

Depois que ele deixou o elevador, nós, que ficamos, soltamos a respiração num suspiro coletivo. Ninguém falou. Não era necessário. Nunca mais revi o poeta, embora tenha continuado a ler avidamente tudo que ele escrevia, crônicas e poemas. O que mais me impressionou, naquele prosaico encontro de elevador, foi o contraste entre a aparência física de Drummond, tão comum, tão funcionário público - com sua pastinha magra debaixo do braço, olhar fixo no chão - e a estatura gigantesca da sua obra, universal, original, tão dramaticamente humana.

O dia 14 de março é dedicado à Poesia. No mundo hi-tech de hoje, onde se corre tanto e não se pára para viver, vale a pena recordar alguns versos de Carlos Drummond de Andrade: "Mundo mundo vasto mundo/ Se eu me chamasse Raimundo/ Seria uma rima, não seria uma solução".


•      Escritora, jornalista e professora universitária

Nenhum comentário:

Postar um comentário