sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Olha o poste!

* Por Fernando Yanmar Narciso


Sou um cara que gosta de dar um passo de cada vez, de ideias firmes e irredutíveis. Prometi a mim mesmo que antes de tirar a carteira de motorista não me preocuparia em arrumar um emprego e sair da casa dos pais, não importa o tempo que levasse minha vida só começaria depois que o volante estivesse na minha mão. Tanto que continuo desempregado, solteiro e encostado até hoje, mas com integridade intacta.

Os videogames mentiram pra mim. Passei uma vida a acreditar que bastava pisar fundo no acelerador, virar o volante e você já era um motorista. Ledo engano... O que são doze anos na vida de um homem? Minhas idas e vindas da autoescola começaram em 2002. Na época, eu ainda era um pivete descontrolado, que não conseguia ficar sentado nem por 5 minutos. Podem me imaginar querendo sair pela janela do carro com o mesmo em movimento, descendo o morro?

Por esse motivo, fui reprovado no primeiro teste psicotécnico. Só depois da terceira reprovação, eles me sugeriram buscar ajuda psiquiátrica. E lá se foram seis anos de análise e conselhos, até que eu finalmente consegui juntar coragem para voltar ao miserável teste dos rabiscos de olhos vendados. Ô, ódio! Juro por forças superiores que aquela ideia saiu dos porões do DOPS! E da primeira vez que eu passei no teste, foi uma festa, principalmente porque não teve nenhum jogo de risca-rabisca!

Cheguei em casa cabisbaixo, e disse com o tom de voz mais triste do mundo “Sinto muito, fiz tudo o que pude... E PASSEI!” Pai e mãe pularam de alegria. Mais uma etapa havia ficado para trás, a agora precisava voltar à autoescola. Então, cometi o erro mais comum quando as coisas começam a se acertar para mim: Excesso de autoconfiança. Faltando pouco mais de um fim de semana para a prova de legislação, estava com o ego fervilhante até a testa, achando que ia passar o rodo na tal da prova sem nem suar.

Nas sextas-feiras a autoescola costuma passar as tradicionais provas simuladas e eu inventei de fazer. Menino, pra quê? O pavor tomou conta de mim ao ver que só havia feito 12 pontos em 30! Seu merda! Isso é tudo que tu consegue fazer? Não deu outra: Com a ajuda dos indispensáveis remedinhos tarja preta, passei o sábado e o domingo deitado no sofá da sala devorando aquele livretinho maldito de legislação, sem levantar nem pra comer ou tomar banho - A mancha de gordura no estofado permanece lá como prova.

Batalhando feito Ayrton Senna na última volta com pedaços da McLaren esfarelando por todos os lados, fiz a prova na segunda-feira e passei de raspão. Fiz 21 pontos em 30. Comigo, as provas sempre são resolvidas assim, na corda-bamba. Mais festa! Aí veio a parte mais divertida de todas: Mãos ao volante! As aulas que separam os homens das torradeiras.

Tão grande como meus dotes artísticos é minha capacidade de causar traumas nas pessoas. A maioria precisa de no máximo umas 20 aulas de rua para ganhar jogo de cintura ao volante e conquistar a tão sonhada carteira. Tive quase 60 aulas, três instrutores, três carros diferentes e continuava sem saber dirigir. Descobri que dirigia exatamente como vivo: Em completo abandono. Não conseguia prestar atenção à sinalização, aos retrovisores, à troca de marcha, ao acelerador, ao volante e ao chiclete na boca ao mesmo tempo.

Mesmo assim, surpreendentemente conseguia fazer até bem a liçãozinha que costuma pegar todo aspirante a condutor: A tal da baliza. Pra mim foi como passear no parque. Aí, veio a primeira prova de rua. Hora de arrancar a Excalibur da pedra. Eu estava praticamente cuspindo fora o aparelho digestivo completo de tão nervoso quando o avaliador me chamou. Minha vida toda estava em jogo, todo meu destino depositado naquele volante. Como é que qualquer pessoa poderia fazer algo que preste com tanta pressão psicológica?

E, para coroar, ele ainda esperava que eu mostrasse minhas habilidades de “grande motorista” em SÓ 10 MINUTOS, ÀS SETE DA MANHÃ?! Não teve jeito. Nada deu certo... Voltei pra casa com o rabo entre as pernas e chorei todo o fim de semana. E aqui estamos nós, sete anos depois. A maldita carteira é, para mim, uma questão de honra, e depois de muita, mas muita insistência, consegui que meu Dr. Freud particular me liberasse para voltar às ruas.

Mais moço e controlado, superando meus traumas passados e causando novos traumas aos instrutores, falta muito pouco para que a banca me convoque novamente. Tomara que dessa vez eu consiga tirar meu verdinho! Como podem ver, quanto ao volante, não sou um tigre, não dou passos felinos. Sou uma baleia que se move devagar, mas com firmeza. Mas toda araruta tem seu dia de mingau. Cedo ou tarde, vou estar a bordo de meu Diplomata prateado 1987, dirigindo pelo deserto e ouvindo blues... Ou preso por seis horas num engarrafamento, como todo mundo.

              
* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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