quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Crônica natalina informal (e irracional)


O Natal, por se tratar do assunto mais batido para quem lida com textos – mais especificamente, escritores e jornalistas – é tremendo desafio para quem queira escrever algo original. Por mais que você se esforce, acaba se limitando, sempre, a uma espécie de “variação em torno de um mesmo tema”. As várias crônicas e os diversos poemas que já li (e olhem que li, sem exagero, milhares deles) diferem, uns dos outros, somente na forma. Quanto ao conteúdo... não há como fugir destes clichês: presépio, ceia, espírito natalino, Papai Noel; os solitários, doentes, encarcerados ou carentes impedidos pelas circunstâncias de festejar; presentes; árvores enfeitadas, compras; reconciliações; excessos; missa do galo etc.etc.etc. É isso ou nada. E não importa o gênero a que você recorra. Varia a forma de exposição, mas o assunto é sempre o mesmo. E isso há mais de dois mil anos. Como exigir, pois, originalidade? 

Não são todos os escritores que se arriscam a enveredar por esse tema, que exige o máximo de criatividade para se redigir com mínimo de originalidade. É certo que tenho em meus arquivos e na minha caótica biblioteca crônicas, contos e poemas de alguns dos expoentes das letras nacionais (e mundiais, como Eça de Queiroz, Charles Dickens e até o cético socialista Anatole France). Raros deles, todavia, escreveram mais do que uma única peça literária sobre o assunto. Certamente não quiseram se arriscar a cair no lugar comum, quando não descambar para o que há de mais chato para um escritor consagrado que se preze: a pieguice. Queiram ou não, o tema é perigosa armadilha desse tipo. Raros conseguem escapar dela. E os que não escapam, repudiam, anos depois, essas esporádicas produções, tentando impedir que voltem a público. Pelo sim, pelo não, a maioria nem tenta escrever a respeito. E os que se arriscam, e tentam, se limitam a um ou outro texto e olhem lá.

Tenho em meus arquivos, que me lembre, crônicas de Rubem Braga (este, mestre de todos nós, conseguia escapar da pieguice e do lugar comum fosse qual fosse o assunto abordado), de Lygia Fagundes Telles, de Cecília Meirelles (que mesmo sendo poetisa, se aventurou a redigir pelo menos uma crônica natalina), de Vinícius de Moraes, de Mário Quintana, de Carlos Drummond de Andrade (sobretudo, poema), de Sérgio Porto (o inigualavelmente bem-humorado Stanislaw Ponte Preta)  de Cyro dos Anjos e de Luís Fernando Veríssimo, dos que me lembro. Porém, embora sejam raros os escritores que empreenderam esse tipo de “aventura”, tenho, em meus arquivos, em torno de um milhar de textos natalinos deles. Está claro que não me lembraria de todos. Nem haveria como! Embora tenha boa memória, ela não é tão precisa assim como gostaria que fosse. Perde, por exemplo, até para a de qualquer elefante, ora pois... Bem, aí é covardia.

Por estranho que pareça, meu até aqui único e inacabado romance, que há uns nove anos luto para acabar, acrescentando, cortando, tornando a acrescentar, voltando a cortar, em um processo insano e sem fim, é justamente sobre esse tema. Bem, não é propriamente sobre o Natal, pelo menos da forma como a maioria dos povos o entende e o celebra. O título desse “parto da montanha” (provavelmente provisório, ainda não decidi) é “O Sinterklaas de Roterdã”. Trata-se, ao final e ao cabo, do verdadeiro Papai Noel (e não desse made in USA, criado, na década de 20 do século passado, para fazer propaganda da Coca-Cola) no caso São Nicolau, cultuado em boa parte da Europa. Reza a lenda que esse bispo de tempo remotíssimo era useiro e vezeiro em presentear pessoas. “Sinterrklaass” é o nome que lhe dão nos países baixos, ou seja, na Holanda, Bélgica e Luxemburgo.

Fosse essa a nossa tradição, o Natal já teria passado há vinte dias. A festa dedicada a essa tradicional figura é comemorada em 5 de dezembro. Não vou sequer resumir, aqui, o enredo do meu romance (que num esforço hercúleo juro que vou concluir, só não sei se no ano que vem). Garanto, todavia, que é complexo (sou maluco por desafios que nem sei se tenho capacidade de vencer). Contudo, holandeses, belgas e luxemburgueses têm dois Natais. Um, é o festejo do desembarque do Sinterklaas em suas principais cidades, que vem de navio, da Turquia, distribuindo balas e doces às crianças, acompanhado de seu indefectível e fiel servo mouro, Piet. E outro é este nosso, com ceia, peru e tudo o mais, e com o mesmo Papai Noel made in USA nosso. Quem sai bem com isso é a gurizada.

Bem, enrolei, enrolei, mas consegui redigir um texto natalino que foge do convencional, do clichê, do lugar comum. Só não sei se vai interessar a alguém. Espero que sim. Quem sabe se, com algumas taças de vinho na cabeça, o leitor, imbuído do tal espírito de Natal, o leia com complacência e o considere, até, “genial”. Admito: isso já é querer demais, mesmo que quem o vier a ler esteja, digamos, bêbado. Mas... quem sabe? Vale a tentativa.

Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. Você publicou aqui mais de um capítulo desse romance. Espero que consiga finalizá-lo, pois a sensação de missão cumprida é um alívio e tanto.

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