domingo, 30 de novembro de 2014

Deadline

* Por Marcos Alves

Diante do computador sou instado a registrar pensamentos que se sucedem, mas ...em vão. Difícil demais captar a essência daquilo que penso e sinto nesse momento, apenas me lembro de como foi pesada a volta ao trabalho depois de um fim de semana de folga.

Estava em paz no meu canto e de repente caio de novo dentro do furacão. Uma coisa maluca de gente gritando: “Liga a câmera, porra! Faltam 2 minutos!”. “Cadê a cabeça da matéria”, “Com vinheta ou sem vinheta?”. Perguntas com e sem respostas, papéis e botões, gente correndo no corredor. Minutos tensos que precedem cada escalada. 

Acabou e fui pra casa. Deitei a cabeça no encosto do assento e, cansado, queria mesmo era estar numa casinha branca perto do rio onde pudesse descer e pegar uma varinha pra pescar uns lambaris. Apreciar a vista da represa cortada por um rastro amarelo-dourado deixado pelo sol no espelho d’água. Cheiro de cocô de vaca e isca espetada no anzol. Chego em casa, converso um pouco, vejo TV, como e durmo bem.

Sou desperto pelo barulho de uma motoserra que entra pelos ouvidos como uma buzina. A senha do cartão acaba de chegar por um envelope colocado debaixo da porta. A motoserra insiste atrás de mim e o zunido é irritante. Ao fundo ouço os carros, ônibus caminhões, trens, aviões, motos e tudo o mais que anda e faz barulho nesse mundo. Não liguei o som porque queria um pouco de silêncio, vejam.  Saio para o trabalho e encaro de novo aquele morrinho, uma subidinha chata, as pernas doendo, até o ponto de ônibus.

No caminho vejo os outdoors com as ofertas de dinheiro fácil (?), homens e mulheres sorrindo, cãezinhos e outras criaturas se oferecendo. Na rua, o povo anda com passo apressado, homens e mulheres ‘correndo atrás’ como se diz. Quando estou contrariado e preciso trabalhar procuro criar expectativas diferentes para não entrar numa de fazer a coisa por fazer – que também considero perda de tempo. Penso na possibilidade, por exemplo, de aparecer um bom assunto para explorar, de forma que no final do dia me depare com o texto surpreendente de um estagiário ou repórter em início de carreira. Mas é preciso paciência com o repertório dos meninos e a precariedade dos recursos.

É aí que a gente brocha e pensa em brincar de outra coisa. Estou de novo em casa, o telefone toca e não quero atender. Toca de novo e quando atendo tem mais problema para resolver. Decido uma coisa: continuar com o projeto de um dia abrir um restaurante, alugar um quiosque na praia, fazer uma viagem de 1 ano, enfim, sair dessa lama.

Uma chuva cai de repente, e me dá o duplo prazer de ficar livre, ao mesmo tempo, do barulho enjoado da motoserra e do zum zum dos carros. Ligo o som, fecho a janela e o barulho desaparece. Agora, só a música e o barulhinho do teclado preenchem o vazio. Neste momento escuto que “Ninguém faz idéia de quem vem lá. A bola da vez, os tais que traficam bebês...” – é Lenine, pernambucano que sabe das coisas. O astral melhora com o cheiro que vem da cozinha. Há quem diga que a vida é para ser vivida aos bocados. Um dia de cada vez.

* Marcos Alves é jornalista.
                     



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