segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Obra copiosa e eclética

A obra do escritor japonês, Yukio Mishima, é grandiosa, relativamente copiosa e, principalmente, eclética. Daí, não ser nenhum exagero considerá-lo um dos principais expoentes da moderna literatura nipônica (para alguns críticos, é o maior de todos os tempos). Bem que merecia um Prêmio Nobel de Literatura, premiação para a qual foi indicado por três vezes consecutivas, mas que não ganhou. O ganhador foi seu amigo e mentor literário Yasunari Kawabata. Sua obra literária é relativamente vasta – se levarmos em conta que viveu apenas 45 anos, dando cabo da vida mediante “seppuku”, suicídio ritual dos samurais, dos quais descendia, em uma idade em que um escritor mal começa a se tornar maduro – e, sobretudo, multivariada, passando por praticamente todos os gêneros.

Yukio Mishima escreveu mais de 40 novelas, além cerca de 35 romances, um livro de relato de viagens, em torno de 80 contos, dezenas de poemas, um punhado de ensaios, além de 33 peças modernas de teatro Kabuki e Nô. Suas obras escancaram, com absoluta clareza, sua complexa personalidade, mas para ser devidamente compreendida, deve ser analisada no contexto da cultura japonesa. Mishima atuou, também, como ator, tanto de teatro, quanto de cinema, e pelo menos dez de seus livros foram transformados em filmes de relativo sucesso. Se não ganhou o Nobel – para o qual, reitero, foi indicado por três vezes – conquistou inúmeros outros prêmios literários e teatrais, como o Sincho de Literatura de 1954, o Kishida de Teatro de 1955, o Yomiuri de Letras em 1956 e vai por aí afora. E tudo isso sem ter chegado, destaque-se, nem mesmo aos 50 anos, idade considerada por muitos como a da plena maturidade literária, pelo menos da maioria dos escritores.

O curioso é que, embora tendo iniciado a carreira de letras aos 16 anos com poesias, Mishima nunca se considerou poeta. Seria modéstia? Não creio. Pelo que pude depreender de sua biografia, modesto ele nunca foi. A esse propósito, declarou, em certa ocasião: “De uns tempos para cá, dei de sentir dentro de mim um acúmulo de todos os tipos de coisas que não podem achar expressão adequada através de uma forma artística objetiva como o romance. Um poeta lírico de vinte anos se sairia bem dessa situação, mas eu não tenho mais vinte anos e, de qualquer forma, nunca fui poeta”. Mas foi. E dos bons! Tanto que seus primeiros escritos, publicados primeiro em uma revista da escola em que estudava e, mais tarde, em livro, foram os poemas “Floresta em flor”, tratando de amor, honra, reverência e hierarquia.

O jornalista e professor da Faculdade Atlântico, de Santos, Gil Francisco, escreve o seguinte sobre sua obra: “Entre seus livros publicados estão, ‘A Floresta em flor’ (1944), ‘Sede de amor’ (1950); ‘Cores proibidas’ (1954) e ‘O som das ondas’ (1954). ‘O templo do pavilhão dourado’ (1956) é a história de um acólito atormentado que incendeia um templo budista por não poder alcançar sua beleza. Vários de seus livros serviram de roteiro para cerca de dez filmes: ‘O som das ondas’, filmado duas vezes (1956), é uma das obras-primas de Ishikawa. Enjo. O roteiro baseou-se em ‘O templo do pavilhão dourado’ (1959)”.

E Gil Francisco escreve mais: “’Depois do Banquete’, publicado em 1960, revela o traço sutil do autor, a que não faltam o humor ou a malícia, dominando uma narrativa linear, sem os cortes bruscos ou os retornos ao passado, tão do gosto dos que se inscrevem no gênero do romance novo. O sucesso se explica pela maneira como fixa bem seus personagens, como desenvolve a ação no ambiente social do Japão contemporâneo, juntando à beleza clássica uma expressão moderna. E as ilusões amorosas de Kazu ou as pretensões de um Ministro de Exterior aposentado não serão apenas esquemas limitados – a ironia, a compaixão ou mesmo a violência aqui manifestas expressam a profunda sensibilidade do autor às condições humanas com aplicações, num plano mais amplo, a situações universais”.

E conclui: “A obra principal do escritor japonês é a tetralogia épica ‘O mar da fertilidade’ (1965-1970), formada pelos romances ‘Neve da primavera’, ‘Cavalos selvagens’, ‘O tempo da aurora’ e ‘A queda do anjo’, em que o estéril mar lunar simboliza o Japão moderno. Mishima era um escritor que dominava todas as formas literárias, admirador da literatura francesa do século XIX, preferindo Huysmans a Flaubert”. A escritora Darci Kusano, por sua vez, analisa, assim, a motivação de Yukio Mishima: “Ele acreditava que é importante morrer por algo, isto é, pela defesa da cultura, cujo símbolo é o imperador, não o imperador enquanto pessoa física, mas o imperador como uma idéia cultural. Por fim, a obsessão pelo pensamento com ação levou Mishima a procurar a fusão de arte e vida, estética e ideologia, arte e ação. O que culminou no seu trágico final através do seppuku, a 25 de novembro de 1970...”

E escreve mais: “Na sua existência dividida em quatro grandes correntes, a literatura, o teatro, o corpo e a ação, uma vez que já amplamente conhecido como romancista, ênfase é dada, sobretudo, ao teatro (Mishima dramaturgo e diretor) e ao corpo, com sua singular estética do corpo de inspiração grega, o Mishima ator de teatro, musical e cinema, bem como modelo fotográfico quase sempre desnudo. O escritor zombava: ‘Quero manter o romance como o meu fundamento e me relacionar com o teatro como um hobby, como se com a esposa e a amante’. Mas longe de se tornar um hobby, a sua vocação dramatúrgica o levou a criar 62 obras”. Mais uma vez, portanto, como se vê, a Academia Sueca “pisou na bola” ao não conceder a Yukio Mishima o Prêmio Nobel de Literatura que ele fez, fartamente, por merecer.

Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. A ideia de imperador "não físico e sim cultural" já tinha sido falada em editorial anterior. Falo isso não como crítica, mas para mostrar que estou atenta.

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