sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Má qualidade da comunicação


A comunicação, ao mesmo tempo em que é vital para todas as pessoas – da qual ninguém pode prescindir, sob pena de não ser entendido e de não ter, por conseqüência, as necessidades e desejos atendidos – também é (ou pode ser) uma arte. Sem ela não pode haver nenhum tipo de relacionamento, quer afetivo, quer familiar, quer social. Todos os seres vivos, absolutamente todos, de uma forma ou de outra – ou por grunhidos, ou por urros, ou por cheiros, ou por gestos ou de outra maneira qualquer – comunicam-se entre si. A comunicação é, pois, pode-se dizer sem medo de errar, uma das características essenciais da vida.

O que se questiona, não é sua existência ou não. Ela sempre existiu, existe e existirá. Reitero: é imprescindível. Todavia, sua qualidade é que varia, tornando-a eficiente ou não, eficaz ou ineficaz, clara ou dúbia. Quando não é perfeita, tende a gerar males entendidos que, não raro, descambam para conflitos, individuais ou coletivos. Atrevo-me a afirmar que boa parte das guerras que se travaram e que se travam nos dias atuais foi causada por deficiências na comunicação. No plano pessoal, uma infinidade de relacionamentos (afetivas, comerciais, sociais etc.etc.etc.) foi desfeita ou foi seriamente abalada porque alguém não comunicou corretamente o que lhe cabia e, por conseqüência, outro alguém entendeu de forma equivocada o que tentaram lhe comunicar.

As artes – todas elas sem exceção – são formas de comunicação. São maneiras do artista, utilizando linguagem própria, comunicar o que pensa, sente e como vê a vida e o mundo que o cerca. Ninguém produz alguma obra, qualquer que ela seja, para o próprio deleite. Elas são destinadas a terceiros, a um número máximo de pessoas que possam alcançar. Daí ser extremamente necessário ao seu produtor ser minimamente entendido. Caso contrário... fracassará no intento de “comunicar” seu pensamento, sentimento ou mesmo mera opinião.O curioso é que muitos artistas agem de forma exatamente contrária à lógica. Em nome de suposta “originalidade”, acha que quanto mais obscura, ambígua e incompreensível for sua obra, maior será sua qualidade artística. Ora, ora, ora. Sem comentários!    ,   

O homem contemporâneo é, sobretudo, contraditório. Entre tantas contradições que o caracterizam, uma chama, em especial, a atenção. Este início da segunda década do terceiro milênio da era cristã, caracterizado pela comunicação de massas, é igualmente o período em que as pessoas mais se sentem solitárias. Nunca o mundo teve tanta gente como agora. Afinal, são mais de 7 bilhões de seres humanos disputando espaço de um planeta de pequeno porte, em que este é, cada vez mais, restrito. Em época alguma houve tantas cidades gigantescas. São cerca de cem com mais de um milhão de habitantes.  No entanto, o homem está, ou pelo menos se sente, cada  vez mais só. A saudável arte da conversação, embora encontre ainda um ou outro grupo heróico que a pratique, está a caminho da extinção.

E isso ocorre tanto no lar, nas famílias, onde as pessoas se refugiam, cada vez mais, em seus mundinhos restritos (do computador, celular, tablete, televisão etc.etc.etc.) em detrimento de boas conversas, daquelas do olho no olho, que tendem a reforçar e consolidar laços de afeto quanto na sociedade. Vejo nisso enorme paradoxo, imensa contradição. São os meios tecnológicos, criados exatamente para favorecer e universalizar a comunicação, que estão afastando as pessoas, fazendo com que se comuniquem menos e pior. O problema não está, óbvio, na falta dela, Está, sim, na sua (má) “qualidade”. O filósofo Ivan Illich observou, há algum tempo: "Cinqüenta anos atrás, a maior parte das palavras que um homem ouvia eram ditas pessoalmente a ele por alguém com quem conversava".

E hoje, o que ocorre? Atualmente ouve-se, é verdade, conversa o dia todo e absurdamente mais do que há meio século. Todavia, o que é ouvido é dito, cada vez mais, à distância: pelo celular, nas redes sociais ou através dos inúmeros outros recursos tecnológicos de comunicação, que deveriam aproximar as pessoas, mas as distanciam. São aparelhos de rádio, receptores de televisão, sobretudo da TV a cabo que dá acesso a até mil canais diferentes ou quase,  gravadores e vai por aí afora. Tudo isso nos enche os ouvidos e a cabeça de informações, opiniões e imprecações. Estranhamente, todavia, não elimina  a desagradável sensação de solidão. Pelo contrário, amplia-a bastante. É como se ouvíssemos (e respondêssemos) a fantasmas, a ETs ou a seres fictícios criados pela fértil imaginação de algum hábil roteirista. Pessoalmente, em diálogo de qualquer espécie, as palavras ditas (e ouvidas) são minoria e diminuem de dia para dia. Os meios de comunicação eletrônicos ditam um enervante monólogo.

Mesmo os que ainda reservam tempo para um papo com amigos, entre um chopinho e outro, no fim do expediente diário ou das aulas no colégio, não conseguem mais escapar de temas dirigidos que lhes são impostos. E estes são, invariavelmente, os mesmos: política, inflação, futebol, maledicências sobre a vida alheia, bravatas sobre conquistas amorosas quase nunca verdadeiramente concretizadas e outras tantas banalidades do gênero. Tempo para tratar de assuntos relevantes, para aprender e ensinar algo, nunca sobra. No entanto, jamais as pessoas sentiram tanta falta de diálogos construtivos e personalizados. Ou de, pelo menos, ouvir alguém falar sobre coisas importantes para suas vidas. Palestras, conferências, simpósios e seminários multiplicam-se, para tratar de temas que há apenas meio século ou menos as pessoas levantavam em conversas informais nas varandas de suas casas, de forma amena e descontraída. Ou estou exagerando?

Boa leitura.

O Editor

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Um comentário:

  1. A comunicação mudou e ampliou-se. Não acho que tenha piorado. Será que não estamos nos entendendo como antes?

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