terça-feira, 30 de setembro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, cinco meses e vinte e oito dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Reconhecimento posto que tardio.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, crônica, “As perdas e ganhos de quem é amor da cabeça aos pés”...

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, poema, “Passeando”.

Coluna Do real ao Surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Princesa Clarice”.

Coluna Porta Aberta – Clóvis Campêlo, crônica, “Os caranguejos e a língua portuguesa”.

Coluna Porta Aberta – Aldo Lins, poema, “Bravo companheiro”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
 “Cronos e Narciso”Pedro J. BondaczukContato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação. 
Reconhecimento posto que tardio

O norte-americano Philip Kindred Dick, ou Philip K. Dick (ou então PKD, como assinava sua produção literária), foi, sobretudo, um inovador na ficção científica. Em vez de concentrar sua atenção no espaço, em viagens intergalácticas, como a maioria de autores do gênero fazia (e faz), optou por extrapolar como, na sua opinião, seria nosso mundo no futuro, pagando o preço da poluição, das injustiças sociais e da maldade latente no coração humano. Vários dos seus livros (e produziu muitos, dezenas deles), seguem essa linha. Em alguns aspectos, lembra “1984”, de George Orwell, ao “criar” ditadores cínicos, cruéis e sem piedade, de fazer inveja a “Big Brother”.

Apesar da sua importância literária, como inovador do gênero pelo qual optou, aconteceu com Dick algo que considero injusto, cruel, mas muito mais comum do que muita gente pensa: foi reconhecido, apenas, depois da sua morte. Encarou, por exemplo, incontáveis dificuldades para publicar seus livros. Vários e vários e vários deles foram recusados por editores, que achavam suas histórias esquisitas demais e seu autor um tanto quanto “amalucado”. A bem da verdade, seu comportamento, nada convencional, contribuiu bastante para isso. O tempo, contudo, encarregou-se de mostrar que ali estava um gênio das letras. Pena, para ele, que isso só aconteceu depois da sua morte.

Faltou pouco para que Dick usufruísse pelo menos o início do seu sucesso, que se deu com a versão para o cinema do seu romance “Do androids dream of electric ship?”. O leitor pode não estar identificando a que filme estou me referindo, pois desconhece algum com esse nome e que tenha tido êxito incontestável de crítica e de público. E tem razão. Porém, as coisas mudam de figura se eu informar que a produção em questão recebeu o nome de “Blade Runner, o caçador de andróides”. Bem, Dick conquistou a fama de forma “transversa”. O verdadeiro mérito do êxito desse filme deveria caber aos roteiristas Hampton Fancher e David Peoples e, claro, ao seu diretor, Ridley Scott, e ao elenco que tem, nos principais papéis, astros como Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos e Daryl Hanna, entre outros.

E por que faço essa ressalva? Porque o roteiro de Blade Runner lembra, somente, de maneira bastante vaga, o romance de Philip K. Dick. Mas esse escritor polêmico e até então injustiçado, considerado, antes da morte, “autor menor” ao qual praticamente ninguém dava importância, não colheu, em vida, nem mesmo uma migalha do sucesso de que goza (com justiça) até hoje. Morreu em Santa Ana, na Califórnia, em 2 de março de 1982, pouco depois de completar 57 anos de idade (nasceu em Chicago em 16 de dezembro de 1928) e o filme foi lançado, apenas, em meados desse ano. Foi Hollywood, no entanto, que o “descobriu” e o consagrou. Depois de “Blade Runner”, vários de suas novelas e contos foram adaptados para o cinema e enriqueceram muita gente. Menos... Philip K. Dick (ou PKD).

Cito, entre outras de suas obras adaptadas para as telas, “Minority Report” (que no Brasil recebeu o título de “Relatório Minoritário”, dirigido por Steven Spielberg e estrelado por Tom Cruise), “O vingador do futuro” (com Arnold Scharzenegger), “Assassinos cibernéticos” (com Peter Weller), “Pago para esquecer” (com Bem Affleck), “O vidente” (com Nicolas Cage), “A scanner darkly” (com Keanu Reeves) e “Os agentes do destino”! (com Matt Damon), dos quais consegui me lembrar; A partir do sucesso desses filmes, seus livros foram redescobertos pelas editoras, relançados e, ao contrário do que havia acontecido quando estava vivo, esgotaram edições e mais edições e seguem sendo publicados e vendendo muito mundo afora. Apenas Blade Runner, que foi indicado para o Oscar em 1983, já teve sete versões, além da original de 1982. Mas que vantagem esse autor sofrido e injustiçado teve do seu talento? Praticamente nenhuma!! É o tipo de reconhecimento que eu não gostaria de ter: o póstumo. Se algum dia eu tiver que ser reconhecido (se merecer isso, claro) que o seja enquanto estiver vivo. Caso contrário... é preferível ser esquecido para todo o sempre.

PKD explorou, em muitas das suas obras, temas como a realidade e a humanidade. Criou personagens comuns, pessoas como cada um de nós, sem recorrer, portanto, aos heróis galácticos de outras obras do gênero. Essa foi sua grande e maior “sacada”. Foi o precursor do que ficou conhecido como cyberpunk, A enciclopédia eletrônica Wikipédfia observa, a propósito desse escritor peculiar: “Inspirando-se em ideias do budismo, cabalismo,  gnosticismo e outras doutrinas herméticas, e combinando-as com certos aspectos das novas crenças na parapsicologia, extraterrestres e  percepção extra-sensorial, criou mundos alternativos nos quais acabou eventualmente por julgar viver. O autor acreditava ter sido contatado, em março de 1974, por uma ‘mente racional transcendental’, o que ele julgava ser uma teofania. Detalhes sobre este evento são relatados no romance Valis, publicado em 1978”. Como se vê, nosso personagem era mesmo um tanto “amalucado”.
Dizia-se que era paranóico, com mania de perseguição. Bem, nesse aspecto, é possível sair em defesa de PKD. Em sua juventude, ele manteve contatos com o Partido Comunista dos EUA, com o qual simpatizava. Por causa disso, foi alvo de implacável investigação do FBI e do serviço secreto da Força Aérea. Destaque-se que o mundo atravessava, então, o auge da chamada Guerra Fria. Sua suposta “mania de perseguição” não era, portasnto, propriamente, paranóia, mas dura realidade em sua vida, marcada por tantos fracassos e decepções. PKD foi (e é) justamente reconhecido, é inegável. Mas... somente após a morte. Reitero: é o tipo de reconhecimento que dispenso completamente.

Boa leitura.


O Editor

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.   
As perdas e ganhos de quem é amor da cabeça aos pés

* Por Evelyne Furtado

Desde que nascemos passamos por perdas. Perdemos o aconchego do útero. Perdemos a proteção materna. Nós meninas vivemos o Complexo de Electra e os meninos os transtornos edipianos, segundo Freud. São as perdas necessárias, discutidas de forma competente e bela pela psicanalista Judith Viorst.

Sempre tive medo de perder, principalmente as pessoas que amo. Quando criança meu terror maior era a morte dos meus pais. E meu pai nos deixou quando eu tinha 25 anos. Nem preciso dizer que a dor foi lacerante, mas hoje eu o trago em mim.

Sofri um processo doloroso de separação 10 anos após. Perdi não só o marido, mas o namorado de adolescência e todas as idealizações românticas construídas durantes anos. Passei, então, a ter horror a perder o carinho de alguém.

Temia tanto a realidade que quando esta se tornava impossível de não ser vista, meu mundo perdia a cor. Sentia-me traída, usada, amputada no que eu tinha de melhor: a afetuosidade e a lealdade.

Porém, esse relato depressivo tem o sentido de mostrar que reagi e sobrevivi a todas essas perdas. Atravessei surtos de ansiedades, compulsão alimentar, chorei cachoeiras, vi minha auto-estima nos pés e meus sonhos viraram pó.

Pois bem, caí e levantei algumas vezes. Não sem raiva, não sem mágoa, não sem constrangimentos, não sem dor. Busquei e tive apoio, além da ajuda especializada.

Mas o melhor disso tudo é que todas as perdas vividas trouxeram-me um ganho em seu bojo. Só não vejo bem o que ganhei com a morte do meu pai.Quanto às demais sei exatamente o que ganhei.

Com o fim do casamento veio o amadurecimento, uma maior comprennsão da vida, experiência e, por mais incrível que possa parecer, harmonia familiar, pois criamos, eu e meu ex-marido, uma filha saudável, responsável, amada e feliz.

Perdi outros afetos. Perdi lindos sonhos de amor. Bebi ilusão e vivi disso por muito tempo. Amei muito e igualmente sofri.

Rompimentos amorosos me deprimem. O medo da solidão me paralisa. Porém saber que posso sobreviver à perda do parceiro idealizado por mim, reforça a minha fé na vida.

Eu poderia dizer que virei mulher e deixei de ser menina, mas o processo ainda não terminou. Continuo amadurecendo.Às vezes sou um mulherão, em outras uma menina mimada.

E o melhor de tudo: começo a perceber claramente que ao me relacionar com o outro passo a me conhecer melhor. Sei mais hoje sobre os meus limites, do que sabia antes. Sei até onde posso fazer concessões. Não me envergonho de chorar por amor, porém discordo com convicção quando a proposta vai além da minha vontade.

A solidão me ronda, mas não me assusta como antes. Vou juntar tudo de bom que vivi. Lembrar de cada "eu te amo" que ouvi e que falei (adoro falar), de cada beijo, de cada encontro, de cada olhar, de cada vez que vibrei de prazer e de paixão.

No mais, continuarei romântica e tenho certeza de que como toda mulher “mereço rosas, rosas, rosas...", como canta Ana Carolina, pois ainda "sou amor da cabeça aos pés".


* Poetisa e cronista de Natal/RN
Passeando

*Por José Calvino

 Passeando, ou vivendo
(aos setenta e mais anos)
na cartilha da vida
creio que não esqueci.

Ao passear, fisicamente
e espiritualmente
piso para não deixar
a consciência desmoronar.

Neste circulo vicioso
somos todos cúmplices
por estarmos vivos,
temos que pensar

na missão atual,
no dia a dia aprendemos
para que não soframos
por movimentos desesperados.


*Escritor, poeta e teatrólogo. Vejam e sigam -  Fiteiro Cultural: Um blog cheio de observações e reminiscências – http://josecalvino.blogspot.com/



Princesa Clarice

* Por Eduardo Oliveira Freire

“Escrever a própria essência, é contá-la toda, o bem e o mal. Tal faço eu, à medida que me vai lembrando e convindo à construção ou reconstrução de mim mesmo.”
―Machado de Assis

Quando vi Serafim através da janela do salão, resolvi ceder às investidas do mestre cavaleiro. Queria a liberdade e não uma imagem de virtude.

Ninguém sabe o caos que cresce dentro de mim. Em sonhos vejo-me uma grande-felina-alada e, quando acordei, estava com passarinho na boca. O sangue da frágil criatura escorrendo em meu rosto deixava-me viva.

Ser guardiã do cristal do poder eterno é um fardo, que não quero mais carregar. Pronto, Serafim foi embora decepcionado. Agora, estou liberta da imagem santificada que me irrita tanto.

Quando vier a madrugada, o mestre dos cavaleiros me levará para caçar. Estou tão ansiosa. Sinto que sempre fui uma caçadora. Mas não é um desejo frívolo. É uma fome que ultrapassa minha alma.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/



Os caranguejos e a língua portuguesa

* Por Clóvis Campêlo

Nunca gostei muito de comer caranguejos. Sempre achei isso um sacrifício exagerado para pouco resultado.

Segundo a Wikipédia, os caranguejos, também conhecidos como uaçás, auçás e guaiás, são crustáceos da infraordem Brachyura, caracterizados por terem o corpo totalmente protegido por uma carapaça, quatro pares de patas (pereópodes) terminadas em unhas pontudas, o primeiro dos quais normalmente transformado em fortes pinças e, geralmente, o abdômen reduzido e dobrado por baixo do cefalotórax. Os pleópodes se encontram na parte dobrada do abdômen e, nas fêmeas, são utilizados para proteção dos ovos. Ou seja, é muita carapaça a ser superada para se chegar nas carnes minguadas. Sinceramente, amigos, do caranguejo só curto o pirão feito com o caldo do seu cozimento e farinha de mandioca. Um prato tipicamente nordestino e delicioso.

Tem gente que gosta, porém. A minha cunhada Lizane, por exemplo, é uma exterminadora de caranguejos. Chega a consumir quinze ou mais de uma só vez, devidamente acompanhados pelo precioso líquido de uma cerveja estupidamente gelada.

Mas, para mim, além da carapaça quase intransponível, os caranguejos também me confundiam quanto à maneira de escrever o seu nome. Em vez do ditongo (nome que se dá à combinação de um som vocálico com um som semivocálico emitidos num só esforço de voz, ou numa mesma sílaba), durante muito tempo utilizei o tritongo – carangueijo, erradamente, com uma vogal e duas semivogais. Um caranguejo cheio de letras, para um escritor cheio de “pernas”, como eles. Um escriba pereópede.

Talvez estivesse eu a precisar, como a boneca Emília, de Monteiro Lobato, de uma visita ao País da Gramática, livro escrito e publicado pelo escritor paulista em 1934. Nele, a língua é figurada como um país, povoado por sílabas, pronomes, numerais, advérbios, verbos, adjetivos, substantivos, preposições, conjunções, interjeições, etc.Alguns críticos afirmam que Lobato escreveu o livro sob o estigma da vingança, por ter sido reprovado, aos quatorze anos, numa prova de português.

Pode ser. Mas o livro não deixa de ser interessante e criativo, onde as palavras são hierarquicamente classificadas de acordo com a sua importância na construção da frase. E faz do conhecimento gramatical um processo agradável.

Mas, depois dessa agradável digressão, voltemos aos caranguejos para finalizarmos essa cronica que já se alonga. Nos anos 60, no Pina, no local onde hoje se ergue o Shopping Rio Mar, nos os caçávamos de andada, em tempo de trovoadas, ou em armadilhas feitas com latas de óleo vazias. Com a maré baixa, deixávamos as armadilhas com as iscas na entrada das locas, no final da tarde. No outro dia, pela manhã, era ir buscá-las com os caranguejos presos.

Mas isso era no tempo em que o Recife tinha mangues fáceis e fartos...

Recife, setembro 2014

* Poeta, jornalista e radialista, blogs:


Bravo companheiro

* Por Aldo Lins

A porta estava aberta para os sem nome
Da entrada anunciava-se a longa trincheira
Que por alguns anos foi uma cinza esteira
Para os inquilinos com os seus cognomes.

Nos labirintos teciam-se as armadilhas
As estrelas do Figueiredo se dilatavam
Repleta de deletores que nos escamoteavam
E delatavam nossos sonhos à quadrilha.

Não tínhamos sal, trufas nem frutas
A ferro e fogo cantávamos unidos travessia
 A magia do amor me conduziu à poesia
E na resistência vencemos a força bruta.

Reencontramos-nos hoje e a bem da memória
Lêucio conquistou Flávia uma bela morena
Companheira e luz de Victor Hugo e Lorena
Pérolas deste eterno estudante de história.


* Poeta

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, cinco meses e vinte e oito dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – A crítica que incomoda.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “E o vento ventou”..

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema, “O cesto de Davir Jacques Louis”

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, conto, “Volta ao pó”.

Coluna Porta Aberta – Alberto Cohen, poema “Indecifrável”.

Coluna Porta Aberta – Alda Lara, poema, “Noite’”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


A crítica que incomoda
  
O intelectual, principalmente se for artista, é, salvo exceções, extremamente vaidoso, mesmo que saiba dissimular essa vaidade e se mostre modesto em público. Por essa razão, é bastante sensível às críticas, embora estas sejam necessárias, quando pertinentes, para a correção de rumos, se estes não forem corretos e/ou adequados. Aliás, nem é necessário ser nenhum erudito, um “poço de cultura”, para se incomodar com opiniões negativas de terceiros. E, claro, esse tipo de sensibilidade não é prerrogativa exclusiva de artistas. Pessoa alguma, mesmo que seja a própria imperfeição ambulante, poço de mediocridade, o sujeito mais errado do mundo, gosta de ser criticada. Quem disser o contrário, estará mentindo. Pode até aceitar restrições, tanto ao que é quanto ao que faz, entendendo que estas sejam necessárias e que podem lhe trazer benefícios. Mas gostar, gostar mesmo, duvido que goste.

Salvo se formos sumamente alienados, temos, todos nós, noção das nossas limitações. Ninguém é autossuficiente em nada e muito menos perfeito, seja no que for. E sabemos disso. Procuramos, todavia, com o máximo empenho, preservar essas nossas tantas vulnerabilidades do olhar indiscreto do público, mesmo que elas sejam gritantemente ostensivas. Alguns conseguem dissimular seus defeitos, sejam de que natureza forem. Outros tantos, por mais que se empenhem, não têm êxito, por eles serem ostensivos em demasia. Fazemos de tudo para que nossas imperfeições não sejam fatores que nos façam, digamos, resvalar para o ridículo. Mesmo sabendo, em nosso íntimo, que determinado texto que escrevermos (se formos escritores, no caso) – em verso ou em prosa – esteja distante, por exemplo, da mínima correção, quanto mais da perfeição que tanto buscamos, nos incomodamos se alguém nos diz. Podemos reconhecer a deficiência, mas não aceitamos que outros a identifiquem e a esfreguem em nosso nariz, mesmo que com palavras amáveis, gentis, melífluas ate. Afinal, isso é da natureza humana.

Alguns sequer admitem que cometam falhas. Julgam-se – ou apenas dão a entender que se julgam – perfeitos. Dessa maneira, afogam talentos, muitas vezes no nascedouro, em virtude desse amor próprio exacerbado. No outro extremo, há os hipócritas. Os que se revestem de falsa humildade, à espera de elogios dos que os rodeiam. A virtude, no entanto, está no meio. Está em aceitar as críticas, por mais que nos incomodem e nos doam, com a condição delas serem pertinentes e feitas por quem tenha autoridade para fazê-las. Mas sem se depreciar à espera de ser contestado. Isso chama-se hipocrisia e não traz benefício algum a ninguém. Mas não podemos e não devemos nunca admitir críticas que não sejam válidas, e não propriamente por questão de vaidade, mas de justiça e de amor próprio. E, sobretudo, por razões práticas. Pela convicção de que elas não nos trarão benefício algum.

Um leigo, que não conheça sequer o ABC da Física, por exemplo, não tem condição alguma de criticar uma nova teoria que esteja sendo apresentada por um especialista da matéria, por mais absurda que pareça. Não é opinião abalizada que deva ser levada a sério. Todavia, há muitos e muitos e muitos chatos de plantão que se arrogam em especialistas de tudo e de qualquer coisa e se esmeram em enumerar um elenco interminável de críticas a propósito do que não entendem e jamais entenderão. Da mesma forma, um analfabeto não tem base para encontrar reparos no estilo, digamos, de um Machado de Assis, de um Vinícius de Moraes, de um Érico Veríssimo, ou de qualquer outro escritor consagrado, brasileiro ou não, por jamais ter lido nada deles, até por não saber ler.

Critica válida, portanto, é a de pessoa com conhecimento de causa para criticar. Somente isso, todavia, não basta. É preciso que seja honesta. É necessário que aquilo que esteja sendo criticado seja de fato defeito. Que não haja interesses pessoais ou antipatias por trás dos reparos. Aliás, o crítico desonesto, que tenta destruir uma obra somente por não gostar do autor, invariavelmente acaba se dando mal. Ao questionar alguma coisa notoriamente de qualidade, que haja caído no agrado público, terá seu próprio bom gosto ou tirocínio postos em questão. O tiro sairá, com certeza, pela culatra.

Além das características citadas, a crítica, para ser bem aceita, tem que ser feita no momento oportuno. Nada é mais constrangedor, para não dizer irritante, do que ser criticado após um trabalho estafante, feito em condições precárias e cujo resultado, embora não perfeito, seja visivelmente bom. Em jornalismo temos muito disso. Muitas vezes um leitor, atormentado por problemas pessoais, liga para as redações ou para criticar o que não entende, ou para pôr reparos em nosso estilo, ou apenas para ter um "bode expiatório" sobre o qual descarregar suas frustrações e complexos. Raciocina – senão consciente, pelo menos inconscientemente – que ninguém é melhor para alvo de sua raiva na maioria dos casos indefinida e vaga, do que uma figura pública.

Acontece que esta também é humana. Igualmente tem problemas, dores, mágoas, frustrações e momentos de ira, como todo mundo. Mesmo assim, se o criticado tiver cabeça, se confiar no que faz e se souber onde pretende chegar, até a crítica maldosa e ostensivamente destrutiva tende a ser um benefício. Foi o que escreveu o filósofo Edmund Burke, ao constatar: "Aquele que nos combate fortalece nossas energias e aguça nosso potencial. Nosso adversário é nosso salvador". Mas que incomoda... ora, ora, ora, não tenham a mais remota dúvida. Ou não incomoda?! Claro que sim, e além da conta.

Boa leitura.


O Editor

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.
E o vento ventou

* Por Núbia Araújo Nonato do Amaral

Encontrei-a no chão,
desfiz as dobras do
papel e solenemente
evoquei linha a linha
traço a traço.
Pedi em prece um
vento de alma nobre.
Soltei a poesia de
olhos fechados...

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


O cesto de Davir Jacques Louis

* Por Talis Andrade

No espelho dos teus olhos
      o desejo de me ver
      que seja uma única vez

      Eu pago o preço
      mesmo que custe
      o temido castigo
      de ter os olhos
      para sempre vendados
      com uma faixa tecida
      por hábil tricotadeira
      todos os dias
      ajoelhada
      com as companheiras
      junto à guilhotina
      alegre vivandeira
      do terror
      o terror político
      transformado
      em espetáculo

      O rosto voltado
      para a terra
      a cabeça decepada
      em um só golpe
      a cabeça jogada
      no cesto forrado
      com seco capim
      para absolver
      o sangue golfado

      No horrendo cesto
      sanguinoso cesto
      em que revoam
      um enxame de almas
      a cabeça mumificada
      por Davir
      os olhos abertos
      revirados de cego
      que mais desejam ver

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).



Volta ao pó

* Por Daniel Santos


De início, uma coceira no olho, uma coceirinha de nada. Mas o incômodo cresceu. Era como se um grão de areia, pressionado pela pálpebra, arranhasse o globo ocular.

Fosse apenas isso, ela suportaria, mas há tempos amargava um processo de desintegração, mais grave até que os ataques de vândalos, séculos antes, quando perdera nariz e parte do braço esquerdo.

Envelhecera. Todo o seu granito ganhara porosidade, transformara-se numa espécie de calcário que, mais dia, menos dia, se reduziria a pó.

Mais dia, menos dia, não. Esfarelava-se já a partir dos olhos! Tinha, pois, de se apressar. Desceu, então, do pedestal e manquejou pelas ruas com um rastro de areia atrás de si até encontrar um posto médico.

Os séculos lhe pesavam como nunca. Já não se lembrava mais da própria data nem do que significava, e quanto mais puxava pela memória, mais farinha produzia. E foi assim, antes mesmo das providências médicas,  que a estátua abdicou a História e ruiu, sepultada no próprio pó!

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.





Indecifrável

* Por Alberto Cohen

Havia uma roseira na sacada
ou tão somente o desejar que rosas
fizessem aquela casa perfumada?
Um passarinho cantava, de fato,
ou era a liberdade que entoava
o chamamento nas manhãs nascentes?
O riso passeava docemente
ou o rancor fingia-se de riso,
para disfarce de um rilhar de dentes?

Em lembranças antigas e confusas
quem pode distinguir farsa ou verdade?
Onde termina o sonho e o pesadelo
torna-se adulto, de maioridade?

* Poeta e escritor paraense



Noite


* Por Alda Lara

Noites africanas langorosas,
esbatidas em luares...,
perdidas em mistérios...
Há cantos de tungurúluas pelos ares!...

onde o barulhento frenesi das batucadas,
põe tremores nas folhas dos cajueiros...

Noites africanas tenebrosas...,
povoadas de fantasmas e de medos,
povoadas das histórias de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos...

E os meninos brancos cresceram,
e  esqueceram
as histórias...

Por isso as noites são tristes...
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
mas tristes... como o rosto gretado,
e sulcado de rugas, das velhas pretas...
como o olhar cansado dos colonos,
como a solidão das terras enormes
mas desabitadas...

É que os meninos brancos...,
esqueceram as histórias,
com que as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longas noites africanas...

Os meninos-brancos... esqueceram!...


1948-Outubro (de Poemas1966)

* Poetisa angolana


domingo, 28 de setembro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, cinco meses e vinte e sete dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Um ícone da ficção científica.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Vozes da infância”.

Coluna Direto do Arquivo – Ruth Barros, crônica, “O francês casual”.

Coluna Clássicos – Darcy Ribeiro, trecho de livro, “Os povos novos e os povos emergentes”.

Coluna Porta Aberta – Leonardo Boff, artigo, “As muitas razões para votar em Dilma”.

Coluna Porta Aberta – Lêda Selma, crônica, “De mal em mal, mal-entendidos...”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com “Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Um ícone da ficção científica

O norte-americano Robert Ansom Heinlein, que assinava seus livros como Robert A. Heinlein, é considerado como um dos três mais importantes autores de ficção científica, ao lado de Isaac Asimov e Arthur C. Clarcke. Pode-se dizer, pois, sem nenhum exagero, que foi um dos ícones desse gênero que desperta tanta polêmica. Como os outros dois citados, tem vastíssima bibliografia e algumas obras adaptadas para o cinema. Todavia, é pouco conhecido, se não ignorado, fora do círculo dos apreciadores de ficção científica. No meu caso, por exemplo, tomei conhecimento da sua existência, e da sua importância, muito recentemente, e de forma totalmente casual. E não foi por falta de opções. Heinlein é um dos escritores de ficção científica que têm mais livros traduzidos para o português, lançados ou no Brasil, ou em Portugal, ou em ambos. Atribuo seu quase desconhecimento à pouca divulgação das suas histórias, ao contrário do que ocorre com Isaac Asimov e com Arthur C. Clarcke.

Confesso que o tipo de enredo que criou não é propriamente o da minha predileção. Todavia, aprecio nele a notável capacidade descritiva e o ritmo ágil e dinâmico que imprimia às aventuras de seus personagens, como que talhados para o cinema. É uma virtude rara na maioria dos escritores. Quando leio algum livro, não me limito a fixar atenção “apenas” na história que é narrada, que não raro sequer me agrada. Busco detectar o estilo, a correção, a coerência e a quantidade de informações que a narrativa contém. Por esses critérios, afirmo, sem pestanejar, que considero Robert A. Heinlein um dos grandes escritores do século XX, apesar das restrições que faço a esse gênero. E concordo com os que o reputam como tal.

Chamam-me, em particular, a atenção as influências que sofreu e que provavelmente determinaram a escolha que fez pela ficção científica. Heinlein nasceu na cidade de Butler, no Estado do Misouri, em 7 de julho de 1907, em uma comunidade profundamente religiosa. Sua família era batista e, até os 13 anos de idade, sua visão de mundo e os valores pelos quais se pautava eram baseados na Bíblia. Pode-se dizer que se tratava de um “fundamentalista”. Foi então que teve contato com o livro “A origem das espécies”, de Charles Darwin. A princípio, chocou-se com os conceitos emitidos pelo célebre naturalista inglês, que contrariavam tudo o que acreditava até então. Não se sabe como, no entanto, sofreu, da noite para o dia, radical transformação em sua crença. O fato é que, ainda na adolescência, abandonou a religião e se tornou ateu convicto, mantendo-se assim até o fim da vida (morreu em Carmel, em 8 de maio de 1988, perto de completar 81 anos de idade).

Alguns dos livros de Robert A. Heinlein, todos traduzidos para o português, são: “A companhia dos mágicos”, “Nave Galileu”, “O planeta vermelho”, “O monstro do espaço”, “Um túnel no céu”, “Cidadão da galáxia”, “Tropas estelares”, “A rapariga de Marte”, “Revolta na lua”, “O número do monstro” e vai por aí afora. Poderia relacionar mais umas dezenas deles, mas não o farei. Isso, sem contar as várias séries que criou, como “Os filhos de Matusalém”, “O homem que vendeu a lua”, “Revolta em 2100” etc.etc.etc. Um dos seus livros, vertidos para o cinema, foi “Tropas estelares”, que além do filme original, rodado em 1997, teve algumas continuações. Sua história foi adaptada para as telas por Edward Neumeier, com direção de Paul Verhoeven e que tinha no elenco Denise Richards, Dina Meyer, Caspen Van Dien, Neil Patrick Harris e Jake Busey, entre outros.

Antes da adaptação do seu livro, Heinlein já havia atuado como consultor de cinema. Foi em 1950, no filme “Destination Moon”. O roteiro foi escrito pela dupla James O’Hanlon e Rip Van Ronkel, mas ele pode ser considerado co-autor dessa história, pelos acréscimos e cortes que fez no enredo. Essa produção, dirigida por Irving Pichel, foi estrelada por John Archer, Dick Wesson, Warner Anderson, Tom Powers e Erin O’Brien.

Tenho a impressão, embora não possa jurar, que Robert A. Heinlein tinha, digamos, obsessão por Marte. Pelo menos é o que depreendo quando constato que vários de seus livros foram situados nesse nosso “vizinho” espacial. É verdade que a Lua é também local recorrente nas histórias que criou. Os astrônomos resolveram homenageá-lo. Todavia, não pensaram em nosso satélite natural ao fazê-lo. Batizaram, isso sim, um dos acidentes geográficos de Marte como “Cratera Heinlein”. Creio, pois, que minha impressão faz todo o sentido. De qualquer forma, esse escritor prolífico e imaginativo é considerado, quase que consensualmente, um dos grandes mestres da ficção científica.

Boa leitura.

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