domingo, 31 de agosto de 2014

A epopéia cinematográfica de um paraibano


* Por Vitor Orlando Gagliardo


José Francisco está nervoso. Já não tem mais unhas para roer. Seu coração bate mais forte a cada segundo.
- Será que esse ônibus não vai sair?

O dia mal começou e José já acordou com o coração acelerado.
- Hoje é o grande dia!

Após 17 anos, ele conseguiu juntar dinheiro, pela primeira vez tirou férias e decidiu voltar à sua terra natal: Patos, interior da Paraíba. A distância entre João Pessoa e Patos é de 301 km.

José chegou ao Rio de Janeiro aos 18 anos na caçamba de um caminhão que carregava bananas. Comeu tantas na viagem que nunca mais chegou perto de uma. Foram mais ou menos 43 horas se alimentando apenas dessa fruta.

Assim como tantos outros que chegam diariamente ao Rio, ele veio tentar uma vida melhor. Conseguiu rapidamente um emprego de faxineiro em um condomínio na Tijuca, zona norte da cidade. Com três anos foi promovido a porteiro.

Era diferente dos demais porteiros da rua. Enquanto todos se reuniam nos finais de semana para a pelada no Aterro do Flamengo, no botequim do Seu Manoel ou uma ida a Vila Mimosa, ele preferia ficar em casa assistindo televisão, em especial, aos filmes ou ir ao cinema.

Neste ponto deu sorte. Foi em uma sala de cinema, em uma das inúmeras sessões no Odeon, que conheceu Rosa. Foi amor à primeira vista.

Em menos de um ano já moravam juntos e com dois tiveram o primeiro filho, chamado Alfredo.

A escolha do nome não foi à toa. José elegera como seu filme predileto o clássico italiano Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. Achava a música de Ennio Morricone belíssima. Já tinha visto esse filme mais de dez vezes. Sempre chorava na cena do incêndio no cinema.

Por esses gostos considerados extravagantes era motivo, por vezes, de chacota dos amigos. Não gostava de futebol e de forró e muito menos dos filmes do Arnold Schwarzenegger. Esse, então, demorou mais de um mês para conseguir falar errado o nome.

Mas agora tudo parecia passado. José estava entretido com a viagem para Patos. Estava com saudade de sua mãe, D. Angélica e das irmãs, Clotilde e Elisa. Sabia que era tio, mas nunca tinha visto os sobrinhos.

Rosa não pôde ir e ficou em casa com Alfredo.

José levava em sua mala, além de algumas roupas, muitos dvd’s. Em uma conversa por telefone, Elisa disse que jamais tinha ouvido falar em tal tecnologia.

Após 43 horas intermináveis, José finalmente conseguiu chegar em Patos. Elisa estava esperando-o. Como em toda família do interior, a recepção foi a mais calorosa possível. Assim que chegou na casa de D. Angélica correu em direção à mãe e deu-lhe um abraço forte e longo para recompensar os 17 anos distantes.

Um dos fatores que mais chamaram a atenção do José foi a falta de estrutura da comunidade carente. Pelo menos no Rio, até o mais pobre tinha pelo menos o aparelho de dvd.

Seus familiares ficaram encantados com aquela tecnologia. Desfilando conhecimento, José começou a programar sessões diárias no quintal de casa de sua mãe. Desde o primeiro dia, o sucesso de público foi imediato.

Como não podia deixar de ser, o primeiro filme da lista foi Cinema Paradiso. José passou ainda O Carteiro e o Poeta, Forrest Gump, A Procura da Felicidade, Central do Brasil e tantos outros.

José Francisco voltou para casa com o ânimo renovado. Analfabeto, decidiu voltar a estudar. Seu grande incentivador é o professor John Keating, interpretado por Robin Williams no filme Sociedade dos Poetas Mortos. Seu grande objetivo é conseguir aprender a pensar por si mesmo e a levar esta mensagem ao maior número de pessoas.

* Jornalista


  

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