quinta-feira, 24 de julho de 2014

Piscina cheia

* Por Marcelo Sguassábia

- Piscina é um negócio nojento mesmo. Se a gente parar pra pensar não entra numa de jeito nenhum.
- Ainda mais piscina de clube. Mas quem ligava pra isso? O que tinha que acontecer rolava aqui, em volta e dentro dela.
- Um caldo coletivo de bactéria, mas o que podia ser melhor que aquela vida irresponsável, cheirando a cloro? É, eu tinha cloro nos cabelos. Melhor ainda, eu tinha cabelos.
- Que graça tem hoje, com essa história de piscina em casa? Todo mundo tão isolado. Instrumentalizaram a piscina. Piscina serve pra não precisar ser sócio de clube.
- Lembro que você não tinha nenhuma estria ainda. Celulite, nem pensar. Pernas roliças, seios de pera. Ah, mulher, você era mais lisa e simétrica que os azulejos da Olímpica. Olha eles agora. Alguns soltos, muitos trincados, outros descorados, cheios de limbo verde.
- O que me comove é este seu transbordante romantismo.
- 1981, 82. Não havia como não olhar pra você, com aquele biquíni mínimo.
- Que depois eu acabei jogando fora, você não me deixou usar mais.
- Lógico. Aquilo ia bem na namoradinha dos outros. Quando te pedi em namoro já era pensando em casar. Nossa, você era pele e osso. Quase um desconforto te abraçar, Mirtes. Machucava.
- Me deixasse lá então, com meu biquíni mínimo. Se era mesmo essa faquir que você está falando, ninguém devia reparar em mim... nem você.
- Então, mas era uma magreza de modelo, esguia. Você era uma garça no meio das galinhas-d’angola...
- Na época você não me falava isso.
- Confete demais. Você se achava a última bolacha do pacote. Eu não repito nem pra mim os comentários da turma sobre você, antes da gente começar a namorar.
- Faz tanto tempo. Pode dizer agora, fiquei curiosa.
- Falar em confete, e os carnavais, heim? Muitos carnavais.
- “Quando por mim você passa, fingindo que não me vê, meu coração quase se despedaça...
- ... no balancê, balancê”. Você bêbado feito um gambá, mamando aquela garrafa de tubaína cheia de Fernet com pinga.
- Tubaína, Fernet... volta pra 2014, Mirtes. Espana esse mofo, aí.
- Quem começou com o flash-back foi você.
- Olha outra do arco da velha... flash-back!
- Cinco noites e três matinês. Como é que a gente aguentava eu não sei.
- Uma folia emendava na próxima. Ia curando a ressaca de um dia com a bebedeira do outro...
- Você não valia nada, Bruno. Aposto que não se lembra mais daquela terça gorda quando te flagrei no carro com a Soraya-vai-que-é-fácil. E a gente já tinha aliança de compromisso.
- Efeito da tubaína. A Soraya era galinha-d’angola, como as outras...
- Ah, tá. Me engana que eu gosto.
- Eu até que era comportado. Pior foi o Julinho, que colocou uma câmera de vídeo no vestiário feminino. As debutantes todas, nuinhas. A fita circulou a cidade inteira, fizeram não sei quantas cópias. Sorte que você não apareceu no clube aquele dia.
- Olha lá, os caminhões de terra chegando.
- De novo, a velha piscina cheia. Antes fosse de gente.
- Sente comigo esse cheirinho bom de bronzeador. Pelo que vivemos aqui. Pelo que não volta mais.
- Mirtes, dá uma olhada no nome da empresa pintado nos caminhões.
- Júlio Piedade Terraplenagem e Engenharia. Que é que tem?
- É o Julinho. É a última do Julinho.

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).



Um comentário:

  1. "Caldo de bactéria". É ver minha mãe, que era médica, falando. E as piscinas de motel? Melhor nem imaginar. Boas risadas, mas faço um reparo. Em 1981 as câmeras de vídeo eram do tamanho de um televisor 20 polegadas. Impossível ser filmado sem ver.

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