terça-feira, 22 de julho de 2014

Muito além das evidências

O aquecimento global constitui uma crescente ameaça à saúde, às perspectivas econômicas e aos recursos hídricos e alimentares de bilhões de pessoas”. Esta foi a conclusão, em tom de alerta, e até de alarma, de um relatório, divulgado em março de 2014, pelo “Painel Intergovernamental para a Mudança Climática”. O documento, bastante detalhado, foi emitido ao término de reunião do órgão das Nações Unidas, que congrega os maiores especialistas mundiais em clima, realizada em Yokohama, no Japão. Em vários pronunciamentos e entrevistas, durante e após o encontro, os cientistas não conseguiram esconder sua estupefação não apenas com a velocidade do aquecimento do Planeta, mas, sobretudo, com o fato de praticamente ninguém se preocupar com ele (muitos até o negam enfaticamente, como se tudo não passasse de mera peça de ficção. Obvio que não é).

O relatório enfatiza, entre tantos e tantos aspectos, que os efeitos desse perigosíssimo desequilíbrio, potencialmente letal, já “estão sendo sentidos em todo lugar, contribuindo para possíveis crises de escassez alimentar, desastres naturais e guerras”. E já estão mesmo. Ou vocês acham que a inusitada atual seca na região Sudeste do Brasil não se deve a esta causa? Se acham, perdoem-me a franqueza: vocês são o suprassumo da alienação. No Estado de São Paulo, por exemplo, onde a escassez de chuvas já é a maior pelo menos dos últimos 84 anos, a situação pode ficar ainda pior caso não chova já a partir de fins de setembro. Milhões de habitantes da terceira metrópole mais populosa do mundo correm o risco de ficarem privados do abastecimento de água, pois o imenso reservatório que a abastece do indispensável líquido, o da Cantareira, virtualmente secou. E agora? Boa pergunta.

Há provas mais do que suficientes para demonstrar que o aquecimento global não só é real, como, para piorar, vem se acelerando já não mais de ano para ano, mas de mês para mês e, quiçá, de dia para dia. Não se trata de alarmismo e nem de um psicótico surto de catastrofismo da minha parte. Quem me conhece, sabe que sou otimista e que penso e espero sempre o melhor. Mas... neste caso... Trata-se de atentar para a realidade nua e crua, para fatos e não mais para meras evidências, que não devem e não podem ser ignorados e que requerem providências urgentes, urgentíssimas e inadiáveis para deter o processo, caso isso ainda seja possível.

Geleiras extensíssimas e multimilenares, notadamente na região do Ártico, incluindo o Pólo Norte – mas também no pólo oposto, ou seja, na área da Antártida – estão derretendo a uma alucinante velocidade e virtualmente desaparecendo. Milhões de quilômetros quadrados de permafrost estão deixando de ser “permanentes”, possibilitando que bilhões de metros cúbicos de metano e de gás carbônico, retidos no subsolo por dezenas de milênios, vazem para a atmosfera, realimentando e acelerando o processo de aquecimento. E não é mais sequer possível alegar ignorância a propósito. Afinal, nesta era de comunicação instantânea e total, caracterizada, sobretudo, pelo culto às imagens, há vídeos e mais vídeos a propósito, disponíveis na internet, de facílimo acesso a qualquer pessoa, bastando um simples clic no mouse do computador.

Para ressaltar, por exemplo, a ameaça do fim do permafrost, a professora Katey Walter Anthony, da Universidade do Alasca em Fairbanks, divulgou, mundialmente, uma fotografia tirada no campus da referida instituição superior, ilustrando uma experiência que fez. A imagem mostra-a ateando fogo numa fresta de vazamento de metano em uma lagoa congelada que ali existe. As chamas se elevam até um ponto bem acima de sua cabeça. Katey enfatizou, tão logo concluiu a experiência: “Lugares com vazamentos como esse estão em toda parte. Estamos atingindo carbono antigo, que ficou armazenado no solo por 30 mil ou 40 mil anos”. Trágico, não é verdade? E há, ainda, quem negue que esteja em andamento um acelerado processo de aquecimento global!!! Não entendo como! O que mais é preciso para que as pessoas se convençam e se compenetrem que ele é real e talvez já irreversível?!!!

Mantendo-se o atual ritmo de emissões, entretanto, interromper o processo de retroalimentação já será bastante difícil. Todavia, se não for interrompido, e imediatamente, será, simplesmente, impossível. É questão de lógica. A alternativa mais viável para amenizar a ameaça do permafrost, de acordo com o professor Edward Schuur, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, “é controlar as emissões originárias de combustíveis fósseis e reduzir o desmatamento” – duas atitudes que a humanidade ainda reluta muito em tomar, não é verdade?

Encerro estas sombrias reflexões de hoje (pois o tema assim o impõe), com a lúcida, mas igualmente inquietadora constatação da escritora sul-africana Nadine Gordimer, ganhadora de um Prêmio Nobel de Literatura. Ela escreveu, em certo trecho, do instigante ensaio “A face humana da globalização”, incluído no livro “Cartas para as futuras gerações”, lançado pela Unesco: “O consumo descontrolado no mundo desenvolvido erodiu os recursos renováveis, a exemplo dos combustíveis fósseis, florestas e áreas de pesca, poluiu o ambiente local e global e se curvou à promoção da necessidade de exibir conspicuamente o que se tem, em lugar de atender às necessidades legítimas da vida. Enquanto aqueles de nós que fizeram parte dessas imensas gerações de consumidores precisam consumir menos, para mais de um bilhão de pessoas consumir mais é uma questão de vida ou morte e um direito básico – o direito de libertar-se da carência”. Pensem nisso!

Boa leitura.

O Editor.


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Um comentário:

  1. De minha parte, quanto a este detalhe, maravilhosamente escrito por Nadine Gordimer, temo consumir e já tem um bom tempo. Meu lixo é relativamente pequeno.

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