sexta-feira, 25 de julho de 2014

Drama da vida real


Por Cecília França


"Era para ser um acerto de contas entre ele e ela. A arma não seria usada, a não ser para intimidá-la. Sabia que ela ficaria assustada e ouviria o que ele tinha a dizer. Sua resposta não podia ser ‘não’ novamente. Ela tinha que entender seus motivos e aceitá-lo de volta. Era para ser um acerto de contas, não fosse pela presença de um repórter".

O relato acima poderia ter sido feito com base no roteiro do filme "O Quarto Poder", estrelado por Dustin Hoffman e John Travolta. Quem assistiu certamente se lembra da atuação brilhante dos dois atores como repórter e seqüestrador (ou vítima?), respectivamente. Mas o excerto também poderia ser o início de uma narrativa sobre o cativeiro da menina Elóa, o mais longo da história de São Paulo, e que se transformou em "caso Elóa" – como todos os crimes que são explorados exaustivamente pela mídia.

O que as duas histórias têm em comum, afinal? A espetacularização da mídia. Para quem não assistiu ao filme, vai um breve resumo. O personagem de John Travolta acabava de ser demitido de seu trabalho como segurança de um museu. Implorou à patroa que não o fizesse, mas, diante de sua recusa e desesperado por não ter condições de criar os filhos, ele retorna ao local, armado de uma espingarda, disposto a fazê-la mudar de idéia.

Nesse mesmo momento, o repórter derrotado, vivido por Dustin Hoffman, está fazendo uma reportagem acompanhando a visita de crianças ao museu. Entediado, em um dado momento ele vai ao banheiro e, pela fresta da porta, vê Travolta com a arma chamando a diretora para uma conversa. Ele vê aí seu grande furo de reportagem e conseqüente volta ao hall da fama jornalística.

Hoffman passa a transmitir pelo celular o que seria um seqüestro à emissora de televisão em que trabalhava. A partir daí, mesmo diante das repetidas afirmações de Travolta de que ele não iria e não queria machucar ninguém – muito menos manter as crianças seqüestradas – Hoffman o convence de que a transmissão ao vivo será melhor para ele, bem como conceder-lhe "entrevistas exclusivas".

Ok. As semelhanças param por aí. No filme, quem não saiu vivo dessa foi Travolta; na vida real, a menina Eloá. Então por que co-relacionei as duas histórias. Porque a atitude da mídia foi exatamente a mesma. Lindemberg, provavelmente, não tem a alma boa como o personagem de Travolta, no entanto, assim como no filme, ele foi humanizado a ponto de o público sentir pena dele.

Record, Globo, Rede TV, chegaram ao absurdo de transmitir entrevistas com o seqüestrador. E ele aproveitou para fazer exigências – como a volta ao cativeiro da menina Nayara, que acabou também baleada. Não fosse pela mídia a polícia não teria feito tantas concessões. Acredito nisso. Não que a PM tenha acertado. A meu ver, a espetacularização partiu, primeiramente, da força policial. Era preciso 60 homens para dar conta de um seqüestrador amador? Creio que não.

Lindemberg entrou naquele apartamento como o namorado largado e saiu, 100 horas depois, como o protagonista do mais longo seqüestro da história de São Paulo. Com as bênçãos da mídia, que agora o chama pelo nome. Lindemberg poderia querer apenas um acerto de contas com Elóa. Ou talvez a matasse realmente. No entanto, mesmo que o fizesse, que ele ficasse conhecido apenas como "o assassino da ex-namorada de 15 anos" – como tantos outros homicidas – e não com a alcunha quase heróica de "Lindemberg Alves, que realizou o mais longo seqüestro da história de São Paulo".

* Jornalista


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