terça-feira, 29 de julho de 2014

Democracia e liberdade de imprensa


O grau de democracia de qualquer sociedade mede-se pela liberdade da sua imprensa. Não é por acaso que, quando ocorrem golpes de Estado, os primeiros locais a serem ocupados pelos asseclas dos golpistas são as emissoras de rádio e de televisão e as redações de jornais. Mesmo nas mais férreas ditaduras, no entanto, profissionais hábeis, pondo em risco as próprias vidas, encontram maneiras de fazer chegar ao público a verdade (caso dos jornais mimeografados que circulavam na antiga União Soviética, nos tempos mais duros de repressão de Josep Stalin ou de Leonid Brezhnev). Acham brechas para expressar, com a maior fidelidade possível, a realidade dos fatos. Conseguem, de uma forma ou de outra, enviar mensagens de esperança e de liberdade ao mundo, a despeito dos riscos.

Prisões andam repletas de cidadãos, cujo único "crime" é o de pensar de forma diferente dos poderosos de plantão. Como se os tais tiranos que os encarceram, torturam e matam, fossem deuses, com os dons da onisciência e da eternidade, quando não passam, tecnicamente, de "assassinos", travestidos de líderes políticos.

Mas é confortador saber que existem organizações (como a Anistia Internacional, entre outras) que lutam, incansavelmente, por esses direitos, que um dia haverão de ser respeitados por todos (pelo menos é a esperança que nos resta). É muito bom, por outro lado, constatar que a juventude é clarividente para distinguir o herói do vilão, o justo do injusto, o certo do errado. São esses grupos e pessoas as grandes salvaguardas da sobrevivência humana. É a pressão que eles (ainda) exercem que induz os líderes mundiais ao realismo e impede que, num assomo de fúria cega e de extrema irracionalidade, destruam o mundo, com o simples comprimir de botões, sepultando todos os nossos sonhos, lembranças e realizações.

Enquanto houver gente como Taras Protsyuk, como José Couso, como Tareq Ayoub (e como milhares e milhares de outros jornalistas espalhados pelo mundo), teremos sempre a garantia de que a tocha da liberdade jamais virá a ser apagada em definitivo. O que já é, inegavelmente, uma tranqüilidade...Esses profissionais constituem-se em “mártires da notícia”, que engrandecem e honram o verdadeiro jornalismo, sem peias e sem meias-verdades, e que merecem, sem dúvida, o nosso respeito, a nossa reverência e a nossa eterna gratidão. Por isso, eu não poderia omitir, nestas considerações, sua abnegada atuação, com o sacrifício da própria vida.

O jornalismo, para aqueles que têm absoluta certeza de que são dotados dessa vocação é, acima de tudo, sacerdócio. Portanto, é muito mais do que mera profissão, do que apenas fonte de recursos materiais para o seu sustento e o da família. É fruto do talento. É missão de vida. Deve ser sempre exercido com absoluta responsabilidade, máxima competência, garra, e, sobretudo, paixão.

O jornalista – quer seja veterano, quer esteja em vias de assumir seu primeiro posto na carreira – precisa, a todo e qualquer instante, ter em mente as necessidades e desejos do alvo do seu trabalho: o destinatário das notícias que colhe e transmite, no caso o leitor (quando a mídia em que se atua é jornal ou revista), o ouvinte ou o telespectador. O público é seu verdadeiro "patrão", não aquele que o emprega. É com ele que o profissional do jornalismo assume um implícito e sagrado compromisso de honra.

O ensaísta Ernest Renan afirma que "o sinal da verdadeira vocação é a impossibilidade de desertar dela". E essa "fuga" é impossível mesmo. O jornalista vocacionado não consegue escapar do seu destino. Mesmo quando afastado, por qualquer razão, da atividade, age como se estivesse nessa missão. Organiza arquivos, cultiva fontes, lê todos os jornais e revistas que lhe caem nas mãos, aperfeiçoa o uso da linguagem para tornar seu texto sempre correto, simples, claro, limpo e acessível a todo o tipo de leitor e se mantém informado sobre o que se passa na sua cidade, no seu Estado, no seu país e no mundo.  O jornalismo está no seu sangue! Gosta dele! Não é um trabalho, mas algo prazeroso  e bom.

Quem tem paixão pela profissão, (e os jornalistas a que me refiro têm), está ciente do que é indispensável para o seu exercício de maneira construtiva e sadia. A verdade, por exemplo, tem que ser colocada em um pedestal, acima de todo e qualquer interesse, e ser buscada com persistência, com coragem e até de forma obsessiva, em toda e qualquer ocasião. Mas é preciso, antes de tudo, que o jornalismo seja exercido com ética.

O jornalista tem que ter em mente que os personagens das histórias que traz a público – trágicas ou cômicas, coletivas ou individuais, envolvendo ora atos sublimes e nobres, ora crimes escabrosos e hediondos (estes, infelizmente, em maior quantidade) – não são imaginários, como os criados pelos escritores de ficção: romancistas, novelistas ou roteiristas de cinema. Envolvem seres reais, de carne, osso, sangue e vísceras, com reações e emoções contraditórias, com sonhos, recalques, desvios, alegrias e decepções. Tem que se conscientizar que está lidando com "pessoas",  não com sombras ou conceitos.

Deve ter em mente que a "matéria-prima" do seu trabalho é o ser humano, com suas deficiências, virtudes, taras, grandezas, interesses e mesquinharias.  Não pode nunca se esquecer de que, a mais leve insinuação, por mínima que seja, sobre desvios de conduta de alguém, sua moral ou sua forma de pensar,  trará conseqüências, muitas vezes irreversíveis, para esse indivíduo. Pode destruí-lo. Daí a necessidade do profissional de jornalismo (repórter, editor, comentarista etc.) ser justo, imparcial e honesto no que faz.

Não precisa,  (e nem deve), "carregar nas tintas" para obter efeitos e assim conseguir manchetes que impressionem e atraiam os leitores (ou ouvintes ou telespectadores). E nem dissimular os grandes dramas que se desenrolam no cotidiano, temendo chocar o público-alvo. O jornalismo é (ou deve ser) um espelho em que a sociedade se mire. Se a imagem que reflete é feia, não é sua culpa. A realidade é que muitas vezes é escabrosa e aterrorizante. Ou, em raras ocasiões, sublime e surpreendente. 

O ingrediente básico para um jornalista obter a plena realização profissional, no entanto, é a paixão. É a absoluta convicção de estar fazendo o que gosta e o que melhor sabe. É sempre agir no sentido do permanente aperfeiçoamento, estudando, treinando, desenvolvendo técnicas, apurando a linguagem e se informando obsessivamente, sem cessar, não se deixando levar por uma estúpida e enganadora auto-suficiência, pensando que tudo sabe. É jamais achar que não tem mais nada para aprender. É ser humilde, determinado, corajoso e justo. É trabalhar, trabalhar e trabalhar, sem nunca esperar resultados de qualquer espécie (principalmente materiais), apenas por amor àquilo que faz.

A esse propósito, Machado de Assis observou, na crônica "O Espelho", publicada na "Gazeta de Notícias" do Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 1859: "Fazer do talento uma máquina, e uma máquina de obra grosseira, movida pelas probabilidades financeiras do resultado, é perder a dignidade do talento e o pudor da consciência".

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Editorial que é um convite a agir sempre de acordo com as normas da transparência e da verdade.

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