quinta-feira, 31 de julho de 2014

Amanhã que nunca chega

* Por Pedro J. Bondaczuk


A vida consciente e civilizada – não a animal e instintiva, que nada analisa e percebe –  consiste em saber aquilo que se quer e sair em busca desse objetivo a cada dia, tornando aproveitável o nosso maior capital: o tempo. Cada segundo é importante. E, mais do que isso, é decisivo. Ninguém nos garante que não seja o último.

Tenho reiterado essa afirmação até para que eu mesmo me conscientize dessa verdade e deixe de ser dispersivo, perdulário ou indolente. Não estou recomendando a ninguém que acalente pensamentos e sentimentos mórbidos, ou a idéia fixa de que um dia irá morrer. Mas pensar nessa possibilidade de vez em quando nos repõe na realidade. É, sobretudo, um exercício de humildade que nos impede de acharmos que somos mais do que os outros.

A atitude mais comum da maioria das pessoas é a de adiar seus projetos para um amanhã que nunca chega. Adiam trabalhos, estudos, tratamentos de saúde e até manifestações de sentimentos, positivos ou não. Agem como se tivessem pela frente todo o tempo do mundo, a própria eternidade, quando, obviamente, não têm.

Vivem empurrando soluções com a barriga para um vago depois. Isto vale, também, para governos e instituições. Quem trabalha com planejamento sabe quantos planos, que custaram horas e horas de trabalho de equipes inteiras, acabam ficando esquecidos em arquivos ou gavetas, inúteis, à espera de execução. Quando finalmente alguém se propõe a desengavetá-los, já é tarde. Ficaram defasados quanto à oportunidade. E todo o esforço acaba indo por água abaixo. Resulta em absoluta perda de tempo.

Quantos livros não deixam de ser escritos apenas porque o escritor reluta em começar? Quantos quadros não deixam de ser pintados pela mesma razão? Ou quantas músicas não deixam de ser compostas? Ou quantas soluções não deixam de ser encontradas porque a análise de problemas é adiada para mais tarde, para um amanhã que nunca chega, para a semana, o mês, o ano seguintes, na verdade para o nunca? Somos, estranhamente, educados para adiar o próprio ato de viver.

O escritor Stephen Leacock observa, com propriedade, a esse propósito: "Quão estranha essa procissão da vida! A criança diz: quando eu crescer. Mas que significa isso? Já crescido, o menino diz: quando eu for moço. E depois de moço, diz: quando eu me casar. Mas, afinal de contas, que significa, nesse caso, o matrimônio? A idéia muda para: quando eu me aposentar. E, por fim, quando chega a aposentadoria, ele olha para trás, para o trajeto percorrido; um vento frio parece varrer o terreno; sem saber como, ele o perde de vista e tudo se vai. Muito tarde aprendemos que a vida consiste em viver, na substância de cada dia e de cada hora". Convenhamos, não é o que fazemos.

Chegamos tarde demais a essa conclusão. Ou pensamos que o seja. Ninguém sabe (felizmente) quanto tempo lhe resta. Há quem tente reverter o que deixou de fazer no passado e comece, com 70, 75 ou 80 anos, a perseguir seus sonhos.

Recentemente, um homem de 82 anos formou-se em medicina na Alemanha. Após anos de adiamento desse projeto de ser médico, sob pretextos vários, válidos ou não (se quisermos sempre arranjaremos uma desculpa para tudo), concluiu que não teria nada a perder tentando. E se deu bem. Como qualquer um de nós pode se dar, se quiser de verdade.

A ousadia para fazer o que achamos adequado vale também para os sentimentos. Muitas pessoas são infelizes e solitárias porque temem se expor. Secretamente, acalentam projetos de relacionamento. Mas vão adiando sua execução, na medida do seu medo. Nesse aspecto, não há fórmulas milagrosas e nem respostas definitivas.

Para saber se a convivência com uma companheira vai dar certo ou não, não existe outro caminho senão tentar. E, como tudo na vida, essa tentativa envolve riscos de fracasso. Mas tem, também, possibilidades de êxito.

Há os que temem se expor. Sobre estes, Carol Lewis escreve, em seu livro "Quatro Amores": "Se você quer ter a certeza de conservá-lo intacto, não deve dar seu coração a ninguém, nem mesmo a um animal. Evite quaisquer ligações, encerre-o em segurança no cofre do seu egoísmo. Mas nesse cofre – seguro, escuro, imóvel e sem ar – ele se modificará. Não se partirá; tornar-se-á inquebrantável, impenetrável, irremissível".

É dessa forma que determinadas pessoas agem, sem que sequer se deem conta. Têm medo de se expor, mas não admitem. Temem tentar conquistar seus sonhos. E para não ter que admitir esse gesto de covardia, adiam tudo para um amanhã, que teima em não chegar. E a morte acaba chegando antes...

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk  



2 comentários:

  1. Brilhante texto, meu caro! Induziu-me a profundas reflexões!

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  2. Adorei a parte da citação do "terreno vazio". É horrível escutar lamentações de quem não teve coragem.

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