quinta-feira, 26 de junho de 2014

Quadrado e redondo

* Por Pedro J. Bondaczuk


O conflito de gerações é, certamente, tão antigo quanto o próprio homem. Vai existir enquanto houver ser humano na face da Terra. Mesmo sabendo disso, todavia, incomoda-me sobremaneira quando algum jovem diz, ou simplesmente insinua, que sou "quadrado", querendo com isso dar a entender que sou ultrapassado, antiquado, parado no tempo. O incômodo é ainda maior quando me lembro que a minha geração foi uma rompedora por excelência de tabus. Alterou costumes cristalizados, francamente hipócritas, quando não imbecis. Superou preconceitos, embora uma infinidade deles tenha resistido. Desafiou a ordem vigente, o chamado "sistema", quando era uma temeridade fazê-lo.

Cometeu, é verdade, nesse processo inovador, uma série de disparates. Derrubou conceitos morais de séculos, por exemplo, mas com um defeito grave: não apresentou nada de novo para substituir o que foi derrubado. Ainda assim, foi uma geração revolucionária. Na maioria dos aspectos, a atual é muito mais conservadora do que ela. Foram os moços idealistas e rebeldes dos anos 60 que abriram caminho para que os que hoje estão na faixa dos 18 aos 30 anos cresçam e se desenvolvam de forma mais livre e equilibrada.

Apregoa-se, a todo o momento, em especial nas artes, (colocando-a como um dogma), a "modernidade". E o que é ser moderno? Cada pessoa tem uma definição para esse conceito (bastante vago), de acordo com o seu grau cultural e sua formação. "Ah, é ser novo", dizem alguns. "É ser jovem", asseguram outros, como se a juventude fosse eterna e se constituísse em virtude, e não em mera condição biológica, que, por conseqüência, é transitória. Prefiro a forma de encará-la de Carlos Drummond de Andrade. Para o poeta de Itabira – que mesmo depois de morto jamais perdeu a modernidade – melhor é ser "eterno". Como Virgílio. Como Píndaro. Como Ovídio. O que há de arcaico, de ultrapassado, de imprestável nestes gênios clássicos?

Qual o garoto de hoje, (supostamente "moderno" somente porque ainda viveu muito pouco) que consegue expressar as delícias e sofrimentos do amor com maior ternura, com maior malícia, com maior picardia e com maior beleza do que esses escritores antigos, antiqüíssimos, anteriores ao nascimento de Cristo? Qual o adolescente atual que tem a coragem de negar a modernidade de um Caetano Veloso, sem corar de vergonha? Ou de um Gilberto Gil? Ou de um Chico Buarque, de uma Gal Costa, de um Roberto Carlos etc.? Pois este pessoal todo é da minha geração! Todos estão na faixa do meio século e uma década de vida.

A esse propósito, tenho comigo o texto de um discurso do escritor russo Aleksander Soljenitsin, lido por seu filho Ignati na cerimônia da entrega da medalha de honra de literatura no Clube Nacional de Artes, em Nova York, em 6 de fevereiro de 1993. Antes, portanto, de regressar à sua Rússia natal. O texto é bastante longo, mas o trecho mais representativo é o que se refere a essa verdadeira obsessão pelo novo, sem levar em conta sua qualidade. Diz: "A destruição se tornou apoteose desse vanguardismo beligerante. Ele visava a derrubar toda a tradição cultural que durava séculos, romper e desviar o fluxo natural do desenvolvimento artístico através de um repentino salto para a frente. Esta meta deveria ser conseguida através de uma busca vazia por formas inovadoras como fim em si mesmas, ao mesmo tempo rebaixando os padrões de proficiência de cada um, às vezes com crueza e do desleixo artísticos, às vezes combinados com um significado tão obscurecido que se confundia com a ininteligibilidade".

Ser moderno é abrir mão da técnica pictórica, em favor de meia dúzia de borrões ao acaso? É assassinar o vernáculo, arrebentar a gramática, subverter a grafia das palavras e trucidar a concordância? É juntar sons que lembram urros de dinossauros (ninguém sabe se eles os emitiam, pois desapareceram 70 milhões de anos antes do homem surgir sobre a Terra, mas se sim, devem ter sido aterrorizantes), ou dissonâncias mais primitivas do que as das tribos dos bosquimanos australianos? Se for... Sinceramente, prefiro continuar "quadrado". Mas em ótima companhia, não acham?


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk  



2 comentários:

  1. Como você mesmo já disse algumas vezes, o unso atual e moderno, está como está, por que foi feito pelos que chegaram antes, estão velhos ou já morreram.

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