quinta-feira, 26 de junho de 2014

Bola no ponto futuro?

* Por Mário Prata

Você sabe o que é uma bola no ponto futuro? Sabe não, né? Nem eu.

Os locutores de futebol do Brasil – e apenas do Brasil – são todos intelectuais. Eles sabem o que é uma bola no ponto futuro. Nós não.

O brasileiro quer ser moderno, quer ser Primeiro Mundo. No dia em que aquele doido disparou na plateia, o Brasil chorou lágrimas de país desenvolvido. O cara era branco, forte, curso superior, metralhadora de primeira, inocentes vítimas.

E é no futebol, onde a gente é o melhor do mundo (apesar dos técnicos), que os coleguinhas insistem em intelectualizar a coisa.

Lembra da melhor de três? Quer coisa mais brasileira do que uma melhor de três? Até na cama o brasileiro gosta de uma melhor de três. Pois agora não é mais melhor de três. Agora é playoff. Playoff! Influência americana. Não do futebol americano, mas do basquete, da tal da NBA.

Até há pouco tempo o jogador batia um escanteio. O que antes já era córner. Agora é tiro de canto. E o tiro de canto é mostrado pelo auxiliar de árbitro. Aquele mesmo que todo mundo sempre chamou de bandeirinha. Aquele que levantava o pau, a bandeira. Agora ele levanta o seu instrumento de trabalho. Instrumento de trabalho! Já pensou o cara saindo de casa para ir trabalhar e perguntando para a mulher: Você viu o meu instrumento de trabalho?

Até há pouco tempo também, o jogador gostava de fazer cera. Hoje, que ele faz mais cera do que nunca, dizem que ele está valorizando a posse da bola. Tá na cara que o sujeito tá fazendo cera. Mas vem um Galvão qualquer e o exime. Imagina, fazer cera. Está apenas valorizando a posse da bola.

Antigamente o jogador passava a bola. Dava um passe. Hoje ele não passa mais a bola. Ele faz uma assistência. Muito esquisito. Será que o jogador que recebeu o passe, gritou me assista, me assista!, e o cara assistiu? Sabe de onde vem isso? Dos americanos. Não do futebol americano, mas do basquete.

Vamos em frente. Lembra do drible da vaca? Apesar dos campos continuarem com a grama – menos em Brasília, onde comeram toda ela – tiraram a vaca de campo. O drible da vaca agora se chama overlap. É, tempo de computador. Deletaram a vaca.

E chapéu? Dar um chapéu. Hoje em dia não se dá mais chapéu. Dá-se (quem consegue, é claro) um voleio. Coisa de americano, também. Não do futebol americano, mas do tênis.

E aquele jogador que corria pela lateral? Tanto podia ser o beque ou o ponta. Pois agora os dois se chamam ala (basquete americano, de novo). Quando eu crescer vou jogar de ala. Pode? Tudo bem, já que o centroavante virou cabeça-de-área. Para desespero dos goleiros que antes defendiam ou com a mão direita ou com a esquerda. Hoje, defendem de mão trocada, depois de cuspirem na luva, coisa de hóquei sob (ou sobre) patins no gelo.

Lembra quando o sujeito dava uma rasteira no adversário? Não existe mais rasteira. É uma obstrução. E quando ele entrava de carrinho? Agora se chama falta pra cartão.

E ali por onde reinaram Zito, Dino, Dudu, Clodoaldo? Cada time tinha um só. Agora têm quatro e eles atendem pelo nome de volante. Logo mais serão seis os volantes. Coisa de loteria mesmo.

A trave do outro lado virou segundo pau. A bola nunca vai no primeiro pau, já notou? Mesmo quando chutada de rosca, que agora se chama de três dedos. Antes, um drible era para humilhar. Hoje, desmoraliza.

Cartola virou vice-presidente de futebol e saco virou virilha.

Morte súbita tá virando gol de ouro.

A segunda divisão chama-se série B…

Quanto a esperar a bola no ponto futuro eu, um dia, chego lá. E agora eu vou tomar banho, porque eu ainda gosto de ficar na banheira.

* Escritor e jornalista


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