terça-feira, 20 de maio de 2014

Um grito de alerta

* Por Arita Damasceno Pèttená

No século XV não se falava em globalização. O mundo era feliz e não sabia. Mas como em tudo há que surgir mudanças, houve um período de transição dos velhos para os novos tempos. E as caravelas foram singrando mares, águas profundas. E na proa de uma das embarcações, a figura de Pedro, que ninguém mandou parar, e do escrivão Pero, do qual “Caminha” uma carta ao rei dos Lusos contando as maravilhas desse paraíso, que até então não era fiscal, mas estava perdido no mapa-múndi do universo. Um frei, enriquecido de preceitos cristãos, celebra a missa oficial. O porto era seguro. Mas era preciso tomar cuidado com uma gente meio estranha que diziam viver “em pleno estado de selvageria”. Tinham seus deuses... suas tradições... suas crendices... Viviam nus, ou cobertos apenas por uma tanga. E em algumas tribos a monogamia era proverbial. A hospitalidade, um dever.

Se Cabral tivesse que aportar novamente, não mais veria a natureza em festa. Pássaros cantando livremente. Assustado, depararia com homens agredindo a natureza. Crianças e jovens no delírio das drogas. Das capitanias hereditárias, no início da colonização, foram-se promovendo a capitães de areia, tornando o solo movediço, em que perambulam seus passos inseguros, no arsenal de uma guerra, deflagrada, a cada instante, pela falta de oportunidade de se realizarem como humanos seres.

Cansaram-se dos governos gerais... provisórios... impostos... Do confronto com holandeses e franceses e espanhóis em busca da mesma Canaã que até então era apenas do ingênuo indígena. Exauriram suas forças em ver um país dividido entre o Norte e o Sul. Queriam todos irmãos. E tiveram que aceitar africanos, vivendo como escravos, e mantendo, com seus braços vigorosos, latifúndios de insensíveis coronéis.

Entradas, bandeiras, lutas internas, rebeliões, insurreições, conjurações, revoluções, sedições, levantes, tornaram-se marcos nas páginas de nossa história, abominando vilões, exaltando heróis. Monarcas foram-se inserindo nos mananciais de informações sobre uma terra que tudo oferece até mesmo pedras preciosas e ouro e riquezas mil para os maiores piratas de além-mar que, promovendo a derrama, muito sangue derramaram pelo solo que era tão nosso. E veio o tão esperado Grito da Independência pelas mãos de um nobre príncipe, mas que gerado fora no ventre da Inconfidência.

E como a vida é uma gangorra, no sobe e desce dos que fazem rodízio no poder das regências, das intervenções, da caminhada principesca, chegou-se à proclamação da República. E a Nação foi-se reorganizando politicamente com a implantação de novas constituições. Um leque de deveres com tão poucos direitos. Mais que nunca urge um novo Grito de Independência. Cansamos de tudo. De leis injustas. De medidas provisórias. Da prepotência dos mandatários. De nossas Câmaras onde jorra dinheiro de fontes inescrupulosas enquanto a Saúde anda de bengala e a Educação tomou o primeiro vôo para a Terra do Fogo. Cansamos de ver institucionalizado o país a corrupção. A indústria do seqüestro. As chantagens do parlamentar mascarado de imunidade. Os piratas, não da perna, mas da cara de pau, camuflados em “nobres”. Suas Excelências, transformadas em “insolências”, a manipular o poder com as armas da insensatez, driblando a alma simples do povo com palavras de lobo prestes a devorar o cordeiro.

SOS, clamamos para o alto. E que nos mande luzes aqui para baixo que a coisa vai mal, muito mal. E antes que saiamos por aí fantasiados de Os Miseráveis, de Vítor Hugo, a bater panelas e a gritar por socorro, que retumbe, outra vez, pelas margens saturadas de nossa paciência, o brado de humanização a que tem direito todo cidadão.

* Arita Damasceno Pettená é professora, escritora e membro da Academia Campinense de Letras


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