sábado, 31 de maio de 2014

O passado nunca volta

* Por Fábio de Lima

   
Não sei qual motivo me levou olhar pela janela naquela manhã chuvosa. Eu não tinha que trabalhar. Era domingo. Não tinha compromisso algum. Mas a cama não bastou. O sono não foi pleno. Então, levantei e caminhei, até a janela, sobre as pontas dos pés. Bocejei e avistei, no outro lado da rua, uma garota linda, aparentando 19 ou 20 anos. Não parecia modelo, tinha uma beleza diferente. Parecia um anjo. Ela esperava o táxi com um guarda-chuva onde se lia a palavra sol. Em pouco mais de 2 ou 3 minutos seu táxi chegou e ela se foi. Nunca mais a vi. Nunca soube seu nome.

Eu estava terminando o segundo grau. Estava no terceiro ano colegial e ela havia acabado de ingressar no colégio para fazer o primeiro ano. Era loira – olhos azuis – corpo de mulher e jeito de menina. Sorria bastante. Parecia uma garota feliz e simpática. Logo descobri que seu nome era Amanda. Nunca falei com ela. Minha timidez não permitiu. Sai da escola e fui para a faculdade. Jamais vi Amanda novamente.

Na oitava série a gente sempre se acha o máximo. Comigo não foi diferente. Havia, na sétima série, uma garota morena, de cabelos pretos, corpo e rosto muito bonitos. Eu me achava Don Juan, então comecei a olhá-la muito nos intervalos das aulas e no recreio. Comecei a paquerá-la. Fazia isso, todos os dias, embora nunca me aproximasse dela. Um belo dia ela se aproximou de mim e puxou assunto. Conversamos – demos algumas risadas juntos. Ela, de vez em quando, passava as mãos nos cabelos e deixava à vista, para mim, uma aliança na mão esquerda. Só conversamos uma vez. Nem lembro mais o seu nome.

A festa era de um amigo de um amigo meu. Eu estava cansado e com vontade de ir embora. De repente, altas horas da noite, chegou à festa uma prima do aniversariante. Foi simpática comigo e com várias outras pessoas que estavam lá. A mulher era um deslumbre, tamanha a beleza. Eu estava entediado e não via a hora de arrumar uma carona para ir embora. Como ninguém estava muito interessado em ir embora naquele momento, fui para a pista de dança. Fui dançar sozinho. Mas a moça de nome Graziela me seguiu até a pista de dança. Dançamos. Beijamos um ao outro. Fomos embora juntos. Passamos a noite juntos. Pela manhã nos despedimos e nunca mais tive notícias dela.

Trabalhávamos juntos. Depois do expediente gostávamos de namorar um pouco – mesmo ela sendo casada. Acho que era só carinho ou só sexo – não que julgue qualquer dessas duas opções como algo sem importância, mas era um fator isolado que nos unia. Talvez tenha sido um ano nesse chove e não molha. Talvez tenham sido dois. Nunca pensamos em ficar juntos para sempre. Ainda lembro do nome dela – mas ele não acrescenta nada a este texto. Faz muitos anos que não a vejo. Espero que ela esteja bem.

Eu havia acabado de entrar na adolescência e ainda estava aprendendo a diferença entre ficar e namorar. Um amigo e sua ficante queriam ir juntos ao cinema – mas havia uma prima da menina, vinda do litoral, chamada Angélica, que teria que ir com eles – já que passaria todo o final de semana em São Paulo, visitando aos tios. Meu amigo disse para eu acompanhá-los ao cinema. Aceitei. Duas horas antes do horário de irmos para o cinema o telefone tocou e meu amigo avisou que o pai de Angélica falecera afogado numa praia. Portanto, o cinema estava cancelado. Nunca conheci Angélica.

Pelas minhas contas (nunca fui bom em contas) estou com 29 anos, 09 meses, 23 dias, 5 horas e 17 minutos de idade. E não importa se sou velho ou novo. Se tenho uma vida interessante ou não. Se o meu futuro me reserva muitos outros anos de vida ou se morrerei antes que este texto seja lido por alguém. Pouco importa também se este texto é bom, ruim ou mais ou menos. O único fato relevante e inquestionável para ser dito, aqui, é que o passado nunca volta.

*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.


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