domingo, 20 de abril de 2014

Um simples gesto


* Por Cecília França


Seu José enxugou o suor da testa cansada, retirou mais uma garrafa pet do lixo, colocou no saco de estopa e sentou-se no degrau da porta de uma loja de roupas. Logo, um funcionário o interpelou, pedindo que se retirasse, pois estava espantando os clientes. Realmente alguém havia lhe estendido uma moeda que recusava prontamente. Não era mendigo. Trabalhava até dez horas seguidas se fosse preciso para garantir o sustento de sua família.

Eram sete em casa, entre esposa, filhos e netos. Todos trabalhavam – incluindo as crianças maiores – mas em subempregos que garantiam apenas a comida de ontem. Já levantara-se do degrau da loja chique em que sentara com o intuito de descansar. Estava vasculhando outro cesto de lixo em busca de algo valioso, como papel ou plástico. Notou, então, que uma moça o olhava. Podia sentir compaixão naquele olhar juvenil, e não o desprezo com o qual estava tão acostumado.

Continuou caminhando. Sentia-se diferente, maior. Passou por ela e sentiu um breve toque em seus ombros. Era aquilo que queria! Seus olhares cruzaram-se por um instante e ela o cumprimentou sem sorrir, como se dissesse "queria poder ajudá-lo, mas não sei como". Mal sabia aquela moça que o havia ajudado com aquele simples gesto; havia conferido valor àquele que se considerava às margens da vida.

Repentinamente, ele não era mais invisível ou motivo de repulsa. Não, ele não queria dinheiro – embora ela, talvez, pudesse dá-lo. Queria aquilo que havia recebido naquele momento e que ele chamava, simplesmente, de Valor.


* Jornalista

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