domingo, 27 de abril de 2014

Paranoiando

* Por Cecília Prada

A Internet e seus blogueiros me atordoam. Quero fechá-la, quero "nunca-mais", quero não conhecer mais meninos geniais - fechada eu em "egocentrismos ultrapassados"? Em longos projetos que desfraldam suas asas de grande envergadura e persistem/resistem teimosos, cabeleira exposta ao vento, dentro de mim?

Pois vínhamos todos, ainda em tempos pré-cibernéticos, com memórias épicas, risos grandiloquentes, grandes histórias contadas recortadas recontadas, entrelinhas destrambelhadas no nosso subtexto? - Com Vieiras e Camões, Castro Alves e James Joyces, e Tolstois, Flauberts e Dostoievskis, Shakespeares e Sófocles até (demasiados, demasiados...) dentro de nós?

É a esse patrimônio que nos agarramos ciumentos, nós, largados agora no pedregoso cimo do rochedo em meio ao oceano - onde as ondas ululantes da Virginia Woolf, os ventos encapelados de Emily Brönte, persistem ainda (ó benção da perversão literária!) em vir nos buscar?

É uma imensa indigestão literária? É o fim do mundo? (Ou seu começo apenas? Temo...)

Gostaria de ter tempo para ter tempo. Tempo de pensar, de entender, de escolher. (Como já dizia Vieira: "Peço desculpas por ter sido tão longo, por não ter tempo de ser breve").

O parêntese, a citação, serão os únicos recursos de que dispomos para resistir ao furacão que ameaça nos varrer tão pronto? Por único abrigo temos, se tanto, um guarda-chuva preto e rasgado que nos legaram - quem? quem? ora quem, esse aí ó, o covarde que nos jogou sem mais no meio deste oceano, no alto do rochedo descarnado, desamparados e enrolados nos nossos fios existenciais, envoltos em nossa (inútil) papelada, nós, nós... nós QUEM MESMO?

* Escritora e jornalista, estreou na década de 50 no jornal A Gazeta de São Paulo. Como jornalista trabalhou em vários jornais e revistas de São Paulo e Rio de Janeiro, e em 1980 ganhou o Prêmio Esso de Reportagem pela Folha de São Paulo. É detentora de quatro prêmios literários e tem cinco livros de contos publicados, dentre os quais: O caos na sala de jantar, Estudos de interiores para uma arquitetura da solidão e Faróis estrábicos na noite, além de vários livros sobre jornalismo. Seus contos e artigos figuram em revistas estrangeiras e em antologias brasileiras e do exterior. Foi diplomata de carreira (turma de 1957) do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Atualmente reside em Campinas (SP), onde termina um romance autobiográfico.


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