domingo, 27 de abril de 2014

Entre dois tiroteios

* Por Sílvio Lancellotti


Havia parado de fumar pela milionésima vez. Naquela ocasião, do nada. Apenas, ao seu queimar o último cigarro, do último maço, se decidira não mais comprar. Caso acontecesse uma vontade súbita e irresistível, provocada pela maldita crise de abstinência, filaria uma guimba de algum amigo mais tolerante e mais gentil. E assim, permaneceu por seis meses, quando já não sofria com a tal crise e não necessitava, sequer, da generosidade do alheio.

Começou a correr, meia-hora, todas as manhãs. E em mais seis meses de auto-satisfação e de orgulho gigantesco, decidiu, então, parar de beber.

Depressa descobriu que parar de beber era muito mais difícil do que parar de fumar. À mesa do jantar, com os amigos e a namorada, percebeu que não conseguia viver sem um aperitivo, um vinho, sequer uma cerveja. Pior se sentia na solidão, sem a companhia de um uísque ou de uma vodca. Daí, certa data, uma coincidência incrível o estimulou. Ao sair de um bar da moda, ao caminhar, pela calçada, em busca do estacionamento em que deixara o seu carro, deparou com uma portinha singela, encimada por uma placa: AA.

Bingo, os Alcoólicos Anônimos. Resolveu experimentar – e entrou.

Sentou-se bem ao fundo do salão, isolado de um grupo de cem pessoas que, uma a uma, se dirigiam a um púlpito e, muito felizes, se anunciavam:
- Meu nome é X. Sou um alcoólico. Mas, não bebo faz 27 dias.
- Meu nome é Y. Sou um alcoólico. Mas, não bebo faz 84 dias.
- Meu nome é Z. Sou um alcoólico. Mas, não bebo faz 249 dias.

Sinceramente, se comoveu. Até que um desconhecido se acomodou ao seu lado com uma estranha bacia, repleta de cigarros, e lhe disse:
- Você quer mesmo parar de beber? Pois se console...

Descobriu que nos AA os cigarros funcionam como muleta. Levantou-se, sem agradecer e sem pegar um dos cigarros. Preferiu voltar ao bar...

* Diplomou-se em Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.

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