quinta-feira, 17 de abril de 2014

Dos Estados Unidos para o mundo


A Índia tem tradição de produzir magníficos poetas. É certo que no Ocidente, e mais especificamente no Brasil, se conhecem poucos deles. Não há um desejável e até indispensável intercâmbio literário entre os dois países. Uma pena! Ambos saem perdendo em termos de enriquecimento artístico e cultural, em última análise, espiritual. Embora os poetas indianos sejam pouco conhecidos por aqui (ouso dizer que são praticamente ignorados), os amantes da boa poesia que, ademais não tem pátria, certamente conhecem aquele que adquiriu status internacional. Refiro-me a Rabindranath Tagore, amigo pessoal de Mohandas Karamanchand Gandhi e um dos pais da independência da Índia. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1913, do qual abriu mão, em protesto à maneira como seu país (então colônia da Grã-Bretanha) era tratado.

Citei-o em inúmeras ocasiões e, portanto, para os leitores do Literário, ele está longe de ser ilustre desconhecido. Nem poderia. É um dos poetas mais sensíveis, originais e criativos de todos os que já tive oportunidade de ler (e estes, sem exagero, ascendem a alguns milhares). Exceto ele, o leitor de conhecimento mediano de Literatura certamente não conhece mais nenhum poeta indiano. Não se pode esquecer, todavia, que duas das mais famosas e aclamadas epopéias de todos os tempos, com praticamente dois milênios de existência, provêm da Índia. Refiro-me, óbvio, à “Ramaiana” – da qual ousei fazer uma versão, aproveitando a história que a ensejou, mas com versos totalmente meus, que perfaz todo um livro e que divulguei, por partes, em alguns espaços da internet – e à “Mahabarata”.

Pelo exposto, para mim não constitui nenhuma novidade o fato de um indiano de nascimento, posto que naturalizado norte-americano, ter se tornado, neste mês de abril de 2014, o primeiro poeta de origem asiática a conquistar o cobiçadíssimo Prêmio Pulitzer, na categoria de Poesia. Refiro-me a Vijay Seshadri, de 60 anos de idade. Confesso minha olímpica ignorância em relação a esse escritor. Procurei, tanto nos meus arquivos, quanto em várias outras fontes, referências a ele, em vão. Mais uma vez, todavia, o “Google” me socorreu, embora todas as informações a seu respeito que lá encontrei, estejam em inglês, o que mostra que, se no Brasil ele é “ilustre desconhecido”, o mesmo não ocorre nos Estados Unidos.

Nos poucos poemas dele que li (e que não sei se entendi completamente, dada a natural dificuldade lingüística), senti vigorosa força poética. Pudera! Para ser premiado com o Pulitzer, o sujeito tem que ser muito bom. E a impressão que os versos de Seshadri me causaram (com a ressalva da barreira idiomática) é das melhores. Embora seu estilo em nada lembre o de Tagore, em termos de criatividade não fica devendo em nada ao seu ilustre e venerado conterrâneo. Só não partilho com vocês nenhum dos poemas do novo premiado com o Pulitzer por não querer deformar versos tão belos com uma tradução pífia, como certamente eu faria.

Vijay Seshadri nasceu na cidade indiana de Bangalore em 1954. Emigrou para os Estados Unidos, com a família, quando ainda muito criança. Assimilou, portanto, a cultura e o modo de falar, viver, escrever e pensar do país que adotou e que lhe concedeu cidadania. Seus poemas não lembram, nem de longe, temas, costumes ou seja lá o que for da Índia. São versos de um norte-americano típico. Embora tenha sido premiado na categoria de Poesia, é excelente ensaísta, tendo recebido vários prêmios locais nos dois gêneros. Seshadri conhece os Estados Unidos como poucos (inclusive norte-americanos natos). Residiu em diversas partes do país, em todos os seus quadrantes e fixou residência, finalmente, na “Big Apple”, na cosmopolita Nova York, mais especificamente no Brooklyn, onde sobrevive do magistério, lecionando no “Sarah Lawrence College”.

Certamente, doravante, sua vida irá mudar, e para muito melhor. Sua obra deixará o plano meramente doméstico, para ganhar o mundo. Não tardará, tenho plena convicção, para que seus livros de poesias e de ensaios sejam traduzidos e publicados em muitos e muitos países, inclusive no Brasil. Nada como um prêmio de tamanho prestígio, como o Pulitzer, para tirar qualquer escritor do relativo ostracismo, pelo menos no internacional, e projetá-lo para a fama. Conquistá-lo equivale, em termos de reconhecimento, guardadas as devidas proporções, a ganhar sozinho na megassena aqui do Brasil.

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Como somos ignorantes. Pelo menos lendo seus editoriais perdemos parte da estupidez.

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